A Guerra de Gogue-Magogue e a Festa de Purim

A Guerra de Gogue-Magogue e a Festa de Purim

5 de Março, 2022 2 Por Getúlio Cidade

Desde os ataques da Rússia contra a Ucrânia há alguns dias, dando origem à maior invasão de um país europeu desde a Segunda Guerra Mundial, o mundo cristão reavivou um velho debate escatológico a respeito da guerra do líder Gogue, da terra de Magogue. Estaria esta guerra profetizada por Ezequiel ligada a esse conflito que se desenrola em nossos dias, justamente na temporada de Purim? Vamos analisar, então, a atual guerra da Rússia, sua relação com a guerra de Gogue-Magogue e a Festa de Purim, bem como seus possíveis desdobramentos.

Como se sabe, estamos no final de um ciclo de shemitá. No último artigo, abordamos esse tema profético e significativo, especialmente no contexto escatológico, e mencionamos acontecimentos históricos contemporâneos como guerras e tragédias ocorridos na transição de um ciclo de shemitá para outro. Em um desses eventos, mencionamos a Guerra do Yom Kippur de 1973, prestes a completar cinquenta anos, que fez com que o preço do barril de petróleo quadruplicasse em questão de semanas, gerando uma grave crise econômica mundial. Embora estejamos longe disso, vale ressaltar que o presente conflito entre Rússia e Ucrânia, de apenas alguns dias, já causou uma disparada no preço do barril que ultrapassou a casa dos cem dólares (nesse momento, está próximo a 120 dólares).[1] Essa variação já é cerca do dobro do preço no início de dezembro de 2021 e impacta todas as economias.

QUEM É GOGUE E MAGOGUE?

Os capítulos 38 e 39 do livro de Ezequiel falam de uma grande batalha com a participação de muitos exércitos contra Israel, liderada por Gogue, terra de Magogue, que ocorrerá “no fim dos anos”. Essa liderança reunirá esses exércitos para cumprir seu propósito de guerrear contra Israel em seu território. Um dos exércitos mencionados vem da Pérsia, atual Irã e declaradamente o maior inimigo estatal de Israel atualmente e que não esconde seu objetivo político de exterminá-lo. Este é também o motivo do Irã perseguir tanto a tecnologia de armas nucleares. Ezequiel fala de uma batalha física, com exércitos físicos, marchando em direção à terra de Israel.  

Os nomes Gogue e Magogue aparecem sempre ligados um ao outro, exceto quando se trata de nome próprio, como em 1Crônicas 5:4. Juntamente com os demais povos mencionados em Ez.38:2,5 e 6, trata-se de civilizações antigas, cuja correspondência com povos modernos nem sempre é unanimidade entre teólogos, tanto judeus quanto cristãos.

“Filho do homem, dirige o teu rosto contra Gogue, terra de Magogue, príncipe e chefe de Meseque, e Tubal, e profetiza contra ele.” Ezequiel 38:2  A palavra para chefe é ראש (rosh), o que seria uma alusão a רוסיה que é o nome para Rússia. O termo usado por Ezequiel seria uma espécie de palavra-código para o país em um tempo em que esse nome nem existia. Segundo esse entendimento, Gogue seria a Rússia.

Gogue e Magogue estão no “extremo norte” (Ez. 38:15), o que reforça a interpretação de que se trata da Rússia, uma vez que se traçando uma linha reta para o norte, a partir de Jerusalém, capital de Israel, chega-se nas proximidades de Moscou, capital russa. Gogue e Magogue voltam a aparecer mais uma vez em Apocalipse 20:8 como nomes simbólicos de nações.

Desfile militar russo na Praça Vermelha em Moscou

Embora Gogue possa realmente ser a Rússia, quando se trata de profecia bíblica, é preciso ser cauteloso na interpretação, especialmente porque — e normalmente esse é o caso — a mesma profecia pode se referir a mais de um evento separado um do outro por séculos e até milênios. No caso de Gogue e Magogue, deve-se aceitar que Rússia é uma possibilidade sem, porém, asseverar que não possa se tratar de outra nação. Gogue pode ser, por exemplo, a liderança de uma aliança político-estratégica estabelecida entre essas nações do norte que farão guerra contra Israel no “fim dos anos”.

INÍCIO DA TERCEIRA GUERRA MUNDIAL?

Tão logo a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24/02/2022, muito se falou que essa seria a guerra de Gogue e Magogue profetizada por Ezequiel. Não creio que se trate do cumprimento dessa profecia por agora, uma vez que ela se refere a uma ofensiva específica contra Israel: “Depois de muitos dias, você será convocado; no fim dos anos, você invadirá a terra que se recuperou da espada, cujo povo foi reunido dentre muitos povos sobre os montes de Israel, que por muito tempo estavam desolados”. Ezequiel 38:8

O texto bíblico é preciso na descrição de Israel como uma terra que passou por inúmeras guerras ao longo da História (“se recuperou da espada”) e “cujo povo foi reunido dentre muitos povos”, o que é uma menção ao retorno das duas diásporas, a primeira no século VI a.C e a segunda no século I d.C, tendo esta durado quase dois mil anos. Lembremos que, quando Ezequiel escreveu essa profecia, estava no exílio babilônico. Ressalta-se que o retorno dos judeus dispersos pelas nações atualmente ainda não está concluído, porém, aumenta a cada ano, quando judeus dos quatro cantos do mundo imigram para Israel. A profecia deixa claro que a ofensiva de Gogue e Magogue se dará quando Israel tiver seu povo “reunido dentre muitos povos sobre os montes de Israel”. Embora isso venha ocorrendo rapidamente, ainda não se consolidou. 

A guerra atual entre Rússia e Ucrânia pode ter um desfecho rápido e, por outro lado, pode ser apenas o início de um conflito de grandes proporções. Toda guerra é imprevisível, conta com fatores internos e externos que, por menores que sejam, podem mudar completamente seus rumos e estenderem as hostilidades por longo tempo, aumentando sobremaneira o número de baixas. A guerra não é uma ciência lógica, está sujeita a eventos inesperados, aleatórios e nem sempre o mais forte leva vantagem. Foi assim com os Estados Unidos no Vietnã e, mais recentemente, no Afeganistão, tendo este último conflito durado vinte anos.

Todavia, há um aspecto maior e mais sinistro nessa guerra entre Rússia e Ucrânia que pode indicar apenas o início de uma série de conflitos consecutivos envolvendo a Rússia. Há documentos de inteligência de posse do Pentágono desde 2011, vazados pelo Wikileaks entre 2012 e 2014, que mostram que o presidente Putin vem se preparando para uma ofensiva contra as ex-repúblicas soviéticas há mais de quinze anos.[2] Assim, a tomada da Península da Crimeia, em 2014, onde a Rússia possui uma base naval, seria apenas o primeiro passo de um plano megalomaníaco de retomar os territórios anteriores, ou parte deles, desfeitos com a queda da União Soviética, em 1991. Putin se preparou política, estratégica e militarmente, aguardando como um predador frio o momento oportuno de atacar.

De acordo com essas fontes, os próximos alvos seriam os países do entorno russo nas regiões da Ásia Central, Cáucaso e Báltico. Certamente, esses países conhecem as pretensões expansionistas de Putin, bem como do risco de serem invadidos no curto prazo. Não foi por acaso que há dois dias (3/3/2022), Moldávia e Geórgia formalizaram seus pedidos de entrada na União Europeia com o claro propósito de contarem com apoio militar em caso de uma invasão russa, tendo em vista o ataque à Ucrânia.[3] A revelação desse plano não chega a surpreender se levarmos em conta que o próprio Putin, em discurso televisionado em 2005, declarou que o fim da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século XX,[4] assustando as quatorze ex-repúblicas soviéticas.

Países da ex-URSS são alvos de expansão territorial de Putin. Em destaque, as regiões da Ásia Central, Cáucaso e Báltico.

Se a invasão da Ucrânia for realmente o início dessa ampla aventura bélica da Rússia, certamente estamos diante do início da III Guerra Mundial, pois o Ocidente não ficará de braços cruzados diante de tais avanços imperialistas em pleno século XXI, pondo em grave risco toda a Eurásia diretamente. Isso sim, poderia ser o início da grande campanha de Gogue e Magogue, podendo levar anos, e que culminará com o cerco a Israel na última das batalhas que deflagrará a vinda do Messias. No entanto, tudo agora são hipóteses e somente o desenrolar dos fatos dirá a verdade.  

O MISTÉRIO DE PURIM

Em meio a toda essa discussão no meio cristão sobre a profecia de Gogue e Magogue, há um detalhe importante que não foi considerado até agora. Trata-se da temporada da Festa de Purim, que se inicia ao pôr-do-sol do próximo dia 15 de março e se estende até o pôr-do-sol do dia 18 de março. Essa Festa celebra o livramento dos judeus de seus inimigos ocorrido há cerca de 2.500 anos, no império persa.

Um dos mistérios de Purim é a eterna guerra travada entre a descendência de Israel e a descendência de Amaleque. (Para compreender melhor, leia o artigo O Mistério de Purim – A Guerra de Gerações). O primeiro confronto entre Israel e Amaleque foi durante o Êxodo, no Sinai, vencido por Josué na primeira batalha de Israel como nação. Outro confronto se deu no exílio, durante o império persa, quando Hamã, um amalequita, se levantou para destruir Mordecai, um judeu, bem como todo o povo de Israel espalhado pelo império. O livro de Ester relata essa história fabulosa. Quando tudo parece estar perdido, há uma virada de mesa e o jogo muda completamente.

Em vez de ser aniquilado, o povo judeu subjuga e dá fim a seus inimigos. O que era para ser o extermínio de Israel torna-se um dos episódios mais épicos de sua história, pois “o contrário aconteceu” (Ester 9:1). Esta é uma das frases mais celebradas na Festa de Purim-  ונהפוך הוא – V’nahafoch hu!

Pode ser que a ocorrência dessa presente guerra entre Rússia e Ucrânia seja mera coincidência nessa temporada de Purim. Mas pode ser que não. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, é o primeiro presidente judeu na história do país. A despeito de ser um bom ou mau governante, ao se recusar deixar o país e se refugiar no exterior, preferindo ficar e resistir à invasão russa, ganhou o respeito de seu povo bem como do mundo inteiro. Embora haja milhares de judeus tanto do lado russo como do ucraniano, o fato de se ter um judeu na presidência pela primeira vez nos remete à posição da rainha judia Ester que “chegou ao reino para um tempo como esse”. O mesmo pode estar ocorrendo com Zelensky.

Do outro lado, Vladimir Putin, embora não possa ser comprovado, pode muito bem ser um descendente de Amaleque. Alguns rabinos acreditam que a Rússia moderna não somente representa Gogue, mas que, em seu território, estão também muitos descendentes dos povos amalequitas e cananeus. Eis aí, mais uma vez, o mistério de Purim.

E como saberemos? As notícias, até então, dão conta de vários revezes sofridos pelo exército russo em território ucraniano. A vitória rápida e massacrante esperada do lado russo ainda não ocorreu e é adiada a cada dia. As perdas russas têm sido bem maiores que as estimadas e não se esperava tanta resistência dos ucranianos, não somente dos militares, mas de todo o povo. Isso me faz lembrar a história de Purim, quando Hamã, em seu ódio incontrolável de aniquilar Mordecai, começou a fracassar. Ele foi advertido por seus conselheiros e sua esposa que lhe disseram: “Se Mordecai, perante o qual já começaste a cair, é da descendência dos judeus, não prevalecerás contra ele; antes, certamente, cairás diante dele”. Ester 6:13

Logo, podemos estar diante de mais um episódio do confronto permanente entre Israel e Amaleque, a quem o Senhor jurou fazer guerra de geração em geração (Êx. 17:16). Se Putin não prosperar em sua invasão contra a Ucrânia e essa guerra levar à sua derrocada do poder, teremos sabido se realmente o mistério de Purim ocorreu mais uma vez na História. Ou se tudo não terá passado de mera coincidência. Aguardemos e vejamos. Nesse ínterim, resta-nos orar para que o sofrimento de milhões de pessoas chegue a um final o mais breve possível.


[1] Crude Oil Price Today | BRENT OIL PRICE CHART | OIL PRICE PER BARREL | Markets Insider (businessinsider.com)

[2] Ukraine is Just the Beginning: Secret Document Reveals Putin’s Long War on Europe – Byline Times

[3] Moldávia e Geórgia pedem para entrar na UE – YouTube

[4] BBC NEWS | Europe | Putin deplores collapse of USSR


Leia também:

A Shemitá e os Sinais do Fim

A Festa de Purim e seu Real Significado

A Túnica Real e o Ódio Fraterno

Descubra a importância de se conhecer nossas raízes judaicas e explore o tema com profundidade. Leia o livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo.

Sua assinatura não pôde ser validada.
Você fez sua assinatura com sucesso.

A OLIVEIRA NATURAL

Newsletter

Assine nossa newsletter e mantenha-se atualizado de notícias e temas sobre as raízes judaicas do cristianismo.

Compartilhe, curta e siga-nos: