Tabernáculos e a Glória de Deus
Tabernáculos ou Sukkot é a última das Festas do Outono e provavelmente a mais proféticas de todas as sete Festas do Messias. Não somente por se referir a um evento futuro, mas a um evento que se repetirá pelas nações por toda a eternidade, ano após ano, conforme profetizou Zacarias. Há muitos episódios ao longo da Bíblia que tratam dessa Festa, inclusive nos Evangelhos e com a participação de Yeshua. Dessa vez, vamos examinar as Escrituras e ver qual a relação entre Tabernáculos e a glória de Deus, começando na Torá e terminando nos Evangelhos.
Sukkot é realmente uma Festa especial, pois diz respeito à habitação de Deus entre os homens. O sacrifício de Yeshua nos permitiu sermos os tabernáculos de carne e osso em que seu Espírito habita. E assim será por toda a eternidade. Entretanto, o livro de Apocalipse nos diz que, durante Olam Habah — o mundo vindouro —, Deus estabelecerá seu Tabernáculo entre os homens, repetindo em uma escala infinitamente maior o que foi sua habitação na nuvem de glória que encobria o Tabernáculo de Moisés no deserto. Assim, a Festa de Tabernáculos e a glória de Deus serão sinônimos, algo bem além de uma celebração festiva.
“MOSTRA-ME A TUA GLÓRIA”
Após o episódio do bezerro de ouro, Moisés (Moshe) intercede a Deus pelo povo e surge um grande impasse, pois o Senhor se recusa a subir com eles para levá-los à terra que mana leite e mel devido à dureza de seus corações. Segue-se um diálogo entre Deus e Moisés em que o foco é convencer o Senhor a não abandonar Israel. Essa conversa se dá entre duas de suas subidas ao Monte Sinai ou Horebe (nomes diferentes para o mesmo monte). O Tabernáculo ainda não fora construído e Moisés falava com Deus em uma tenda fora do arraial, mais conhecida como tenda do encontro. Quem quisesse buscar o Senhor, precisava sair do arraial e ir à essa tenda, onde Deus se manifestava a Moisés em uma coluna de nuvem à entrada da tenda. Ali “falava o Senhor a Moisés face a face, como qualquer fala com o seu amigo” (Êxodo 33:11).
Então, Deus ordena Moisés que conduza o povo, ao que Moisés responde que precisa saber quem Deus enviará consigo. O Senhor responde: “A minha presença irá contigo, e eu te darei descanso” (Êxodo 33:14). Moisés, como que buscando uma confirmação, afirma: “Se a tua presença não for conosco, não nos faça subir deste lugar” (v.15). A palavra original para presença é “face”, a mesma do verso 11. Portanto, Deus promete enviar literalmente sua “face” com Moisés e este reitera que, se a “face” do Senhor não for com ele, eles não sairão dali. No hebraico, até a face ou rosto ganha movimento!
Essa passagem fica mais clara quando lemos uma referência a ela nos Profetas. Isaías diz que Israel foi salvo e conduzido pelo “anjo da sua face” (Is. 63:9). Logo, a conversa de Moisés com Deus na tenda do encontro “face a face”, bem como a “face” do Senhor que foi adiante do povo no deserto tratava-se de um anjo especial — o “anjo da sua face” (Malach Panav). Traduzindo Êxodo 33:14 de modo mais claro, teremos: o anjo da minha face irá contigo e eu te darei descanso. Essa é precisamente a promessa de Yeshua no Evangelho de Mateus (Mattityahu) quando diz: “encontrareis descanso para vossas almas” (Mt. 11:29). Portanto, Yeshua é o anjo da face ou da presença do Senhor. Ele conduziu o povo no deserto durante os quarenta anos de peregrinação. E foi o descanso para Israel em meio a uma terra árida e hostil. Ele continua a trazer descanso hoje para todas as almas que nele se refugiam.
Ainda no diálogo entre Moshe e o Senhor, ele parece não se conformar com a face de Deus apenas e pede algo maior: “Rogo-te que me mostres a tua glória” (Êx. 33:18). Aqui a palavra traduzida por glória é kavod. Curiosamente, o Senhor responde que Moshe não poderá ver sua face, pois é impossível que algum homem a veja e continue vivo (Êx.33:20). Ora, parece que temos aqui uma contradição. Se o Senhor falava com Moisés face a face (panim al panim) no verso 11, como, logo adiante, Ele afirma que sua face não pode ser vista?
O Senhor concorda em passar com sua glória diante de Moisés e encobri-lo com sua mão, de modo que ele visse apenas suas costas. Conciliando as duas passagens, parece que o Senhor falava com Moisés frente a frente, porém, para proteção do próprio Moisés, sua face ficava encoberta, talvez pela própria nuvem que ficava na entrada da tenda quando o Senhor se manifestava. Então, o pedido de Moisés faria sentido. Ele queria não apenas a presença do Senhor, mas ver seu rosto clara e integralmente, o que é referido no texto por glória ou kavod.
Isso se torna mais interessante porque, em seguida, o Senhor ordena que Moshe suba o Sinai e lá permaneça por quarenta dias, período no qual não comeu nem bebeu, a fim de receber novamente as tábuas dos mandamentos. “E o Senhor desceu numa nuvem, e se pôs ali junto a ele: e ele apregoou o nome do Senhor” (Êxodo 34:5). Parece mesmo que, embora o Senhor estivesse presente, em todo o tempo, a glória de seu rosto ficara encoberta para que Moisés não morresse. Após descer do Sinai, inicia-se a construção do Tabernáculo com as ofertas do povo. Daí por diante, até o final, o livro de Êxodo se dedica a relatar essa construção. Essa foi a primeira Festa de Tabernáculos e a glória de Deus viera habitar com todas as tribos acampadas, na forma de nuvem de dia e numa coluna de fogo à noite.
UMA VOZ CALMA E SUAVE
O primeiro livro de Reis conta a história de um dos homens mais misteriosos da Bíblia — o profeta Elias ou Elyahu HaNavi. É o único personagem bíblico cuja linhagem é desconhecida. Após o épico encontro que teve com os 450 profetas de Baal e os 400 profetas de Aserá, Jezabel jurou matá-lo até o dia seguinte. Elias teve medo e fugiu para o deserto. Enquanto dormia à sombra de uma árvore, um anjo lhe desperta e lhe traz pão assado com água. Ele se levanta, come e, com uma força sobrenatural provida por esse alimento, caminha quarenta dias e quarenta noites até o monte Horebe. Assim como Moisés permaneceu no Sinai diante do Senhor por quarenta dias e noites sem comer nem beber, parece que Elias caminha pelo mesmo período sem comer nem beber até chegar ao mesmo local (já vimos que Sinai e Horebe são o mesmo monte).
Nesse monte, Elias tem um encontro com Deus. O Senhor lhe ordena que saísse da caverna em que estava e se colocasse “na presença do Senhor, pois Ele vai passar” (1Re 19:11). Além de ser o mesmo local, a manifestação é muito semelhante a que ocorreu com Moisés. Elias se põe em algum local perto das rochas e alguns fenômenos ocorrem. Primeiro, um forte vento despedaça as rochas, depois, um terremoto, depois, um fogo. Entretanto, o Senhor não estava em nenhuma dessas manifestações. Por último, uma voz calma e suave. Era a voz de Deus lhe perguntando: “Que fazes aqui, Elyahu?” (v.13). O profeta não vê a face do Senhor, mas ouve sua voz e isso foi mais que suficiente para mudá-lo nesse encontro, pois Elias saiu dali e fez exatamente o que lhe foi ordenado.
O encontro de Elias com Deus foi marcado de modo sobrenatural como o de Moisés. Ambos tiveram um encontro com Deus no mesmo monte, mas sem ver a face de Deus, caso contrário, morreriam. Ambos permaneceram quarenta dias e quarenta noites sem comer nem beber, sustentados de modo milagroso. E ambos ouviram claramente a voz de Deus e dialogaram com Ele que os dirigiu para cumprir seu propósito divino. Moisés recebeu as tábuas novas com os mandamentos da Torá que seriam a bússola moral para Israel e serviriam de fundamento para praticamente todas as civilizações futuras. Elias recebeu instruções que serviram para libertar Israel do jugo de Acabe e Jezabel, bem como para manter a sucessão do ministério profético para a nação, na figura de Eliseu, em um tempo crítico em que quase todo o povo se afastara da Torá.
Moisés e Elias viveram em épocas bem distintas, separados na história por cerca de quatro séculos, mas foram homens marcados pela presença de Deus. Ambos desempenharam papel vital na vida espiritual da nação de Israel e em períodos críticos. O grande encontro de Moisés com o Senhor se deu logo após a idolatria do bezerro de ouro que, por pouco, não desviou todo o povo de Deus. O grande encontro de Elias se deu após o revolucionário confronto com os profetas de Baal e de Aserá, quando a nação se desviara do Senhor pela idolatria. Embora tenham vivenciado experiências sobrenaturais e extraordinárias, ouvido a voz do Senhor e conversado com Ele, não puderam contemplar diretamente sua face. Isso, porém, estava para mudar.
NO MONTE DA TRANSFIGURAÇÃO
Treze séculos após o encontro de Moisés e nove séculos após o de Elias, ocorre outro encontro tão importante quanto esses dois. O local também é um monte, mas não o mesmo. Esse é o Monte Tabor (Har Tavor), segundo a tradição cristã, localizado na baixa Galileia e próximo ao belíssimo Vale de Jezreel. Foi para ali que Yeshua levou seu círculo íntimo de discípulos — Pedro, Tiago e João — para orar. Enquanto oravam, seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeciam intensamente. Então, aparecem dois homens que conversam com Yeshua, identificados pelos três Evangelistas que relatam esse evento como Moisés e Elias. Eles conversam com Ele a respeito de sua morte que se daria em Jerusalém.
Os três discípulos “viram a glória de Jesus” (Lc. 9:32) e Pedro, então, sugere-lhe que ergam ali três tabernáculos, um para o Senhor e os outros dois para Moisés e Elias. Enquanto falava, surge uma nuvem que os envolve e os enche de temor, de onde se ouve a voz: “Este é o meu Filho amado, ouçam-no” (v.35). Esta é a mesma nuvem que aparecia nos encontros entre Deus e Moisés. Era a mesma nuvem de glória que encobria o Tabernáculo no deserto. No entanto, desta vez, a face de Deus estava exposta diante dos homens, ainda que transfigurado por sua glória. Ele estava entre nós em carne e osso. Os três discípulos puderam ver seu rosto transfigurado sem precisar morrer, pois o “Anjo de sua Face” tinha se feito como um deles, assumindo a forma de homem.
São exatamente com essas palavras que João inicia seu Evangelho ao dizer que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós (literalmente, ergueu seu tabernáculo ou tabernaculou entre nós), e vimos a sua glória como a glória do unigênito do Pai” (João 1:14). João estava no monte e testemunhou a transfiguração. Ele sabia o que estava escrevendo. Pedro pede a Yeshua para construir três sukkot que é a palavra usada no grego para sukkah ou tabernáculo, algo próprio da Festa. O pensamento de Pedro não estava errado, pois todos os judeus conectam o início do reinado messiânico à Festa dos Tabernáculos e a glória de Deus estava manifesta perante seus olhos. Até a ressurreição, porém, eles não sabiam que o Messias viria duas vezes e que o plano de salvação era muito maior do que imaginavam.
Portanto, ainda não havia chegado o tempo de o Messias estabelecer seu Tabernáculo entre os homens, embora Ele habite individualmente dentro de cada tabernáculo humano que o recebe por Salvador e Senhor. Esse encontro no monte da transfiguração, assim como os de Moisés e Elias, também ocorreu em um período espiritual crítico, não apenas para Israel, mas para o mundo, pois o Filho de Deus estava prestes a dar sua vida para salvar a humanidade.
Por outro lado, foi mais uma amostra da fidelidade de Deus, pois atendeu ao pedido de oração de Moisés feito cerca de treze séculos atrás, quando rogou que o Senhor lhe mostrasse sua glória. Ele e Elias que, antes, apenas ouviam sua voz e contemplavam a nuvem, puderam ver o Filho Unigênito em carne e osso, transfigurado em toda a sua glória, antes de ser sacrificado no altar do Pai. E, em breve, Ele voltará para cumprir sua Palavra. Isso se dará na tão esperada Festa dos Tabernáculos e a glória de Deus estará para sempre habitando conosco.
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