A Lei da Bênção e da Maldição

A Lei da Bênção e da Maldição

16 de Fevereiro, 2024 0 Por Getúlio Cidade

A Torá está repleta de mitzvot (mandamentos) para as quais há recompensa (bênçãos) ligadas a seu cumprimento, bem como castigo (maldições) ligadas a seu descumprimento. Esse é o caso de uma das promessas feitas por Deus a Abraão, a qual costumo me referir como lei da bênção e da maldição, e está ligada diretamente à forma como lidamos com Israel e seu povo. Essa é uma lei que, como qualquer outra lei divina, tem sido cumprida ao longo de milênios sobre indivíduos, povos e nações, porém, nem sempre percebida com clareza. No início desta semana, testemunhamos o cumprimento dessa lei sobre a Argentina no evento em Gaza que culminou com o resgate de dois reféns do Hamas por tropas israelenses.

Antes do povo entrar na Terra Prometida, Moisés dedica os últimos dias de sua vida em recapitular a caminhada de Israel nos quarenta anos de deserto, especialmente os mandamentos dados por Deus aos quais deveriam cumprir após entrarem na terra. O capítulo 28 de Deuteronômio especifica quais as bênçãos que alcançarão o povo no caso de obediência, bem como as maldições no caso de desobediência. No entanto, séculos antes da Torá, ao chamar Abraão para deixar sua terra, em Ur dos caldeus, Deus lhe faz uma promessa com consequências diretas e eternas para todos os que se relacionarem com Abraão e sua semente ao longo da história.

“Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem” (Gênesis 12:3). Esta é a lei da bênção e da maldição. É simples e direta, não há meio termo nem cabem questionamentos do tipo “mas se…”. Abençoe Abraão e sua semente e você será abençoado. Amaldiçoe-o e será amaldiçoado. Essa é uma lei divina e, como as demais, deve ser vista com o temor a Deus que lhe é devido. No capítulo 3 do volume 1 de A Oliveira Natural, detalho vários exemplos na história com relação às bênçãos e maldições que se sucederam àqueles que abençoaram e amaldiçoaram Israel, respectivamente. Como todas as leis divinas, essa lei é imutável e válida para hoje. Sendo assim, gostaria de chamar a atenção para o mais recente exemplo diante dos olhos do mundo que foi o cumprimento dessa lei sobre a Argentina.

DECADÊNCIA ECONÔMICA

Em fins do século XIX até o início do século XX, a Argentina passou por uma transformação econômica que a tornou um dos países mais desenvolvidos do mundo. Nesse período, conhecido como Belle Époque, atingiu a paridade da renda per capita com os Estados Unidos e uma prosperidade tal que superava países de primeiro mundo como França, Alemanha, Itália e Espanha. Às vésperas da Primeira Guerra, estava entre os dez países com maior PIB per capita. Os ótimos indicadores econômicos se refletiam na qualidade de vida, no rápido crescimento da infraestrutura e na modernização, o que atraía muitos imigrantes europeus. O reflexo na educação também era patente, o que explicava as maiores taxas de alfabetização da América Latina.

Avenida Alvear, Buenos Aires, em 1900, auge da Belle Époque argentina (Imagem: Pinterest)

A partir da década de 1930, a situação econômica começou a degradar, não somente para a Argentina, mas para todo o mundo, fruto da Grande Depressão, iniciada com a Crise de 1929 e que se estendeu até a Segunda Guerra. As perdas econômicas foram grandes para todos e, embora o mundo não fosse tão globalizado como hoje, seus efeitos devastadores foram sentidos na maioria dos países.

Além do longo período de recessão causado pela grande crise, há outras variantes que contribuíram para a derrocada da Argentina da posição de um dos países mais ricos, no início do século XX, para a de um país subdesenvolvido com altas taxas de inflação, enorme dívida pública e sérios problemas socioeconômicos de hoje. No entanto, um evento que não se encontra registrado nos livros de História foi decisivo nesse processo e está ligado à lei da bênção e da maldição de Gênesis 12:3.

UM HISTÓRICO DESFAVORÁVEL

Logo após o fim da Segunda Guerra, em 1947, por ocasião da assembleia geral das Nações Unidas que decidiu sobre a criação do novo Estado de Israel na Resolução 181, a Argentina preferiu se abster de votar, diferentemente de outros países latino-americanos que votaram a favor como Brasil, Bolívia, Costa Rica, Equador, Guatemala e Uruguai, entre outros. Em decisões importantes como essa, não há espaço para neutralidade. Aprendemos com Yeshua que nosso falar deve ser sim, sim; e não, não, pois o que passa disso é de procedência maligna (Mt. 5:37). Logo, dizer-se neutro ou se abster de decidir equivale a fazer a vontade do maligno. A posição “em cima do muro” pertence ao inimigo de nossas almas. Não foi assim que fomos instruídos a agir.

A votação a favor ganhou e permitiu o renascimento de Israel como Estado no ano seguinte. O mundo começava a se recuperar da Grande Depressão e dos efeitos catastróficos da guerra. E é nesse contexto de retomada do crescimento econômico que a situação argentina apenas piora nas décadas que se seguem. A abstenção da votação crítica naquela assembleia geral teve um peso espiritual crucial para a Argentina, impactando-a de modo negativo, como se pode avaliar em sua história nas décadas subsequentes. A bênção que alcançara o país no início do século agora o abandonava à sua própria sorte. E o fator Israel tinha tudo a ver com isso.

A abstenção não foi apenas um evento isolado, mas foi seguido por outros que provaram o comportamento do país em relação a Israel e ao povo judeu. Na realidade, em sua história, a Argentina tem se mostrado hostil ao povo judeu que tem sido vítima de antissemitismo e xenofobia, embora seja o país da América Latina com a maior população de judeus e a sexta comunidade judaica do mundo. Uma amostra desse sentimento hostil estava na proibição de judeus de assumirem cargos públicos no governo ou de ingressarem nas forças armadas, o que durou até a segunda metade da década de 1940. Além disso, após a Segunda Guerra, serviu de abrigo para vários líderes nazistas e criminosos de guerra do Holocausto que fugiam da justiça internacional.

O caso mais famoso é o de Adolf Eichmann — um dos maiores líderes nazistas que organizou o Holocausto e administrou as deportações em massa de judeus para os campos de extermínio — que encontrou lugar seguro na Argentina ao fugir da justiça. Lá viveu disfarçado até ser capturado pelo Mossad (serviço de inteligência israelense), no ano de 1960, em uma das operações mais ousadas desse órgão no exterior, batizada em filme de Operation Finale, que o capturou e o levou para ser julgado publicamente em Israel, sem o conhecimento das autoridades argentinas, onde foi condenado à forca dois anos depois.

Julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalem, em 11 de abril de 1961 (Foto: Coleção Nacional de Fotografias de Israel, Departamento de Fotografia/Assessoria de Imprensa do Governo)

Na verdade, ainda no fim dos anos de 1930, a Argentina restringiu severamente a imigração de judeus que deixavam a Europa assustados com a ascensão rápida do nazismo e do fascismo, a fim de se refugiarem em outros continentes, em um momento histórico em que mais precisavam de ajuda. Essa hostilidade, mostrada antes mesmo da Segunda Guerra e dos horrores do Holocausto, contribuiu para sua posição indiferente perante a ONU em relação à formação do novo Estado judeu.  

Sua condescendência em abrigar nazistas e inimigos de Israel permitiu que dois enormes ataques conduzidos por terroristas muçulmanos ocorressem em seu território. O primeiro deles teve como alvo a embaixada israelense, em 1992, causando mais de vinte mortes e mais de duzentos feridos, tendo sido o ataque mais mortal contra uma missão diplomática israelense. O segundo foi contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994, matando 85 pessoas e ferindo mais de 300.[1] Ambos os atentados foram realizados na capital Buenos Aires e deixaram cicatrizes profundas na comunidade judaica no país e no mundo.

A consequência dessas ações sofridas pelos judeus voltou na forma de maldição sobre a Argentina nos últimos 80 anos. Esse é um exemplo claro de como um país com um passado glorioso pode mergulhar em uma espiral descendente, durante décadas a fio, experimentando inclusive uma guerra em que foi derrotado (Falklands em 1982), e tendo atingido uma inflação de mais de 200% no último ano, a maior após a hiperinflação de 1990. Isso é o cumprimento da lei da bênção e da maldição contida na promessa de Gênesis 12:3. Ela se aplica não somente a nações, mas a povos, grupos étnicos, famílias e indivíduos. A Palavra se aplica a todos igualmente. Se você quer ser abençoado, abençoe Israel. Do contrário, caso o amaldiçoe, seja você quem for, será amaldiçoado pelo Deus de Abraão. Não importa o que ache ou sinta em relação a isso. É decreto perpétuo e as palavras de sua Torá jamais passarão.

DA MALDIÇÃO À BÊNÇÃO

Para deixar a maldição e receber a bênção prometida por Deus, basta uma correção de rumo, uma mudança de atitude. No volume 1 de A Oliveira Natural, explico isso com diversos exemplos bíblicos e históricos, em especial com relação à Alemanha, de como deixou de ser um país amaldiçoado para ser abençoado, pois o Senhor é poderoso para transformar maldição em bênção, dependendo apenas de nossa atitude. E parece que isso começou a ocorrer com a Argentina.

O novo presidente argentino, Javier Milei, logo após vencer as eleições, consciente ou não da lei da bênção e da maldição, pareceu disposto a mudar essa realidade de seu país. Logo após assumir o mandato, afirmou que sua primeira visita internacional seria para Israel, mesmo em meio à guerra contra o Hamas, deixando transparecer que uma de suas prioridades nas relações exteriores seria apoiar e fortalecer os laços com o Estado judeu. De fato, ele cumpriu sua promessa e visitou o país entre os dias 6 e 8 deste mês de fevereiro.

Presidente Javier Milei chora ao orar no Muro de Jerusalém, juntamente com o Rabino Shimon Axel, em 6 de fevereiro de 2024 (Foto: Getty Images)

Não apenas isso, mas foi o primeiro presidente latino-americano a visitar o país após os terríveis atentados de 7 de outubro. Logo após seu desembarque, quando foi recebido pelo ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, demonstrou apoio incondicional a Israel pela agressão sofrida e pelo direito de autodefesa de seu povo. Classificou o Hamas como grupo terrorista, ao contrário de muitos presidentes que preferiram se calar covardemente. Afirmou também sua intenção de mudar a embaixada argentina para Jerusalém em um gesto de reconhecimento que esta é a capital indivisível do Estado judeu. Sua visita ao Kotel (muro) foi bem emotiva, algo raro para chefes de Estado que visitam o local oficialmente.

Ele foi recebido com entusiasmo pelo primeiro-ministro Netanyahu e também visitou o kibbutz Nir Oz, um dos vários destruídos pelos terroristas do Hamas, ao sul do país, onde ficou visivelmente comovido, expressando em todo tempo solidariedade aos familiares das vítimas dos crimes hediondos ali cometidos. Sua atitude foi muito bem acolhida por todos os líderes de Israel, tanto do governo como da oposição, bem como pelo povo em geral, em um tempo em que o antissemitismo tem crescido em escala assustadora no rastro dos ataques terroristas de 7 de outubro. Isso requer coragem, determinação e fé para se posicionar do lado correto, alinhado à Palavra e às promessas de Deus.

Visita de Milei ao Kibbutz Nir Oz, acompanhada pelo presidente Isaac Herzog, onde a quarta parte dos residentes foi assassinada ou levada para Gaza como refém. “A visita tocou minha alma profundamente”, disse Milei (Foto: Jewish Insider)

Apenas quatro dias após sua visita histórica, em 12 de fevereiro, tropas especiais das Forças de Defesa de Israel executaram uma operação de alto risco, fundamentada em informações de inteligência e que obteve sucesso, na cidade de Rafah, onde resgataram dois reféns após acirrados combates contra terroristas. E os dois eram judeus nascidos na Argentina! Dos 136 reféns, somente dois puderam ser resgatados, após 129 dias de guerra, e ambos eram argentinos. Qual a probabilidade disso ocorrer, considerando a visita do presidente argentino quatro dias antes? Não se trata de uma ocorrência aleatória, mas do cumprimento fiel da Palavra de Deus, manifestando a lei da bênção e da maldição sobre a Argentina. Parece que estamos testemunhando o início da transição da maldição para a bênção na vida de uma nação.

Sua atitude mostra quão importante é o papel de um líder de uma nação e do impacto que suas ações têm nos desdobramentos do destino de seu povo. Pouco importa o partido ou a ideologia política de Milei. Tampouco importa a escola de economia da qual é adepto ou das medidas governamentais e dos discursos políticos que fizer. Também nada tem a ver com a religião que professa. Tem a ver com abençoar ou amaldiçoar Israel e, em consequência disso, ser abençoado ou amaldiçoado. É o princípio imutável da Palavra, o cumprimento da lei da bênção e da maldição.

Após o resgate por tropas israelenses em Rafah, os argentinos Fernando Simón e Luis Har são abraçados sob forte emoção pela família, após 129 dias em cativeiro do Hamas, no Hospital Sheba, em Ramat Gan (Foto: Forças de Defesa de Israel)

Como líder máximo do poder executivo, Milei tem a condição de continuar a atrair a bênção sobre a Argentina. Nesse sentido, sua visita parece ser um divisor de águas para seu país que, se permanecer nesse novo rumo, certamente terá sua história mudada para melhor. Tudo vai depender de permanecer firme nessa aliança com a semente de Abraão. A lei da bênção e da maldição está sobre a cabeça de todos os homens e nações que serão julgadas por ela por ocasião da vinda do Messias (ver Mateus 25).[2] O resgate dos reféns argentinos é apenas mais uma prova da viva Palavra do Eterno. Assim, esperamos e oramos para que a bênção do Senhor permaneça sobre a Argentina.


[1] 17 de marzo de 1992: 30 años del atentado terrorista contra la Embajada de Israel | Argentina.gob.ar

[2] Há uma seção completa sobre o Julgamento das Nações no capítulo 2 do vol.2 de A Oliveira Natural.

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