Purim — a Revelação do Oculto
Entramos no mês de Adar II, a alguns dias da Festa de Purim, dia 14 (que, neste ano, coincidirá com 24 de março). Sabemos que esta é uma Festa permeada de alegria e celebração, mas é também uma Festa peculiar devido a vários mistérios que envolvem a história relatada no livro de Ester, na antiga Pérsia, há mais de 2.500 anos. Há alguns pontos inexplicáveis e vários significados em oculto. Alguns desses mistérios são revelados no desenrolar da narrativa; outros permaneceram escondidos entre suas linhas por séculos (como o do Tribunal de Nuremberg), e ainda há outros por serem revelados. Vamos sondar um pouco mais sobre Purim e a revelação do oculto em suas páginas.
O entendimento de que Purim é uma Festa envolta em mistérios se dá logo no título do livro: Meguilat Ester — o rolo de Ester. O nome Ester (אסתר) está ligado a nistar que significa oculto, escondido. Este é seu nome persa e seu significado é interessante porque esconde seu verdadeiro nome que é Hadassa em hebraico. Meguila é a palavra traduzida por rolo e tem sua raiz no verbo לגלות (legalot) que significa revelar, descobrir. Portanto o livro de Ester pode ser traduzido como “a revelação do oculto” ou “descobrindo o que está escondido”.
Essa tradução, por si só, nos leva a refletir sobre a história de Purim que é permeada de mistérios escondidos sob a superfície do texto. Escrevi sobre alguns desses mistérios em artigos passados que podem ser lidos aqui em nosso blog. Embora seja uma história única por todas as Escrituras, seus mistérios se repetem e apontam para um Deus que parece gostar de se esconder de seus filhos; parece apenas. Talvez isso explique o porquê de o nome de Deus não aparecer uma só vez em todo o rolo. Sua presença e seu controle da história, porém, são indubitáveis.
ESCONDE-ESCONDE
Por diversas vezes, sentimo-nos como os judeus exilados nas províncias do império persa do século V a.C., abandonados à própria sorte, esquecidos por Deus que parece ter se retirado de cena. Não obstante, confiamos em sua Palavra em que prometeu nunca nos deixar, por mais que as circunstâncias pareçam dizer o contrário. Isso me faz lembrar de quando era uma tenra criança e brincava com meu pai de esconde-esconde dentro de casa. Ele sempre se escondia em lugares fáceis de ser achado, bastando apenas que eu o procurasse. Assim, ele permanecia por trás de uma poltrona ou de uma cortina, onde seus pés ficavam descobertos e visíveis, facilmente de ser encontrado. E quando o encontrava, ficava eufórico e gritava de alegria, enquanto meu pai ria de satisfação.
Acredito que Deus se comporta da mesma forma para conosco. Ele parece se retirar de nós, mas sempre deixa um sinal de sua presença. Parece que não pode ser encontrado; apenas parece. E, assim como sabia que meu pai estava presente em algum lugar da casa, era apenas uma questão de começar a buscá-lo para que o encontrasse. Ele prometeu: “E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração” (Jeremias 29:13).
O motivo pelo qual Deus parece esconder seu rosto, como na história de Purim, é que Ele deseja ser buscado. Todos os que o buscam com sinceridade de coração o encontram. Ele não se esconde continuamente, mas deixa-se ser encontrado. Aqui jaz o primeiro mistério de Purim: a revelação do nome de Deus que parece oculto na história; apenas parece. Ele está presente por trás dos bastidores, em todos os atos, em todas as cenas e agindo em cada evento, ainda que tudo pareça se tratar de acontecimentos aleatórios. Ele pode ser equiparado também a uma costureira que puxa o novelo de lã e começa a tricotar. De início, não veremos nada nem compreenderemos o que ela faz. Porém, após o término de seu trabalho, veremos a forma exata e a perfeição da peça tricotada, seu tamanho e saberemos para que serve.
O REVELADOR DE SEGREDOS
O mistério da ocultação se repete nas Escrituras, além de Purim. Tomemos, por exemplo, a vida de José filho de Jacó, o maior tipo de Yeshua em toda a Tanach (Velho Testamento). Os que chegaram ao fim do volume 2 de A Oliveira Natural leram, precisamente no último capítulo da série, a comovente história de José e seus irmãos, em que cada detalhe extraído de sua vida aponta para Yeshua, com atos proféticos que foram cumpridos em sua primeira vinda e com outros que nos revelam como será sua segunda vinda, em seu encontro com Israel.
No primeiro encontro com seus irmãos, José (Youcef) permaneceu oculto a seus olhos, disfarçado com vestes reais egípcias. Sua verdadeira identidade estava escondida. Embora não pudessem reconhecê-lo fisicamente, quando o ouviam falar, ainda que numa língua estrangeira, percebiam uma conexão entre eles, algo mais profundo que não conseguiam explicar, fora do alcance dos olhos. Na verdade, tratava-se do DNA de seu pai Jacó (Yaakov) que os ligava e os atraía. Além do DNA, havia uma conexão espiritual ainda mais forte que os entrelaçava, firmada na aliança da circuncisão pela qual todos passaram, estabelecida entre Deus e seu patriarca Abraão. Entretanto, embora estivesse presente, eles não podiam reconhecê-lo. A culpa não era de seus irmãos, mas do próprio José que se manteve oculto e “se fazia estranho a eles” (Gn. 42:7).
Assim como na história de Purim, quando Ester manteve oculta sua identidade em obediência à ordem de Mordecai, José manteve sua identidade oculta de seus irmãos até o momento designado para se revelar a eles. Ambos se revelaram em momentos críticos, quando tudo parecia perdido para os filhos de Israel. Ester revelou sua identidade no momento em que confrontou o inimigo dos judeus diante do rei Assuero (Achashverosh), fazendo com que o rei trouxesse juízo imediato sobre Hamã e revertesse o decreto de morte sobre o povo da rainha. José revelou sua identidade a seus irmãos quando a tensão entre eles era máxima a ponto de gerar um colapso nervoso. O caçula Benjamim estava condenado a ser escravo no Egito e eles veriam seu pai Jacó morrer de tristeza após regressarem a Canaã.
O mistério escondido no nome persa de Ester aparece também no nome dado a José por faraó. Entre os egípcios, ele era conhecido como Zafanate-Panéia (צפנת פענח – Tzefanat-Paneach), cujo significado mais aceito é “revelador de segredos”, em uma alusão aos sonhos interpretados de faraó. É interessante o fato de que o próprio José tenha permanecido oculto aos olhos de todo o Egito por dois anos, preso em uma masmorra, antes de revelar a faraó e ao povo o incrível espírito de sabedoria e revelação que repousava sobre si.
Ambos, José e Ester, eram israelitas no exílio; ambos permaneceram ocultos dos povos em que viviam até serem alçados a posições reais (José como vice-rei do Egito e Ester como rainha da Pérsia); ambos foram colocados nessas posições por Deus para operar salvação ao povo de Israel; e ambos revelaram sua identidade em momentos-chaves para operar livramento, quando tudo parecia perdido. Há mais em comum entre esses dois personagens bíblicos muito especiais do que imaginamos, embora estejam separados um do outro por doze séculos. Suas histórias estão interligadas e envoltas em mistérios ocultos e revelados por Deus.
ALÉM DO VÉU
O mistério do oculto a ser revelado também aparece no Novo Testamento e nos ajuda a compreender um pouco sobre a manifestação do Eterno ao povo judeu. Logo após a ressurreição, Yeshua se aproxima dos dois discípulos a caminho da aldeia de Emaús e se junta a eles em sua conversa. Eles não somente trocam palavras enquanto caminham, mas chegam a parar e olham para Ele enquanto conversam. “Mas os olhos deles estavam como que fechados, para que o não conhecessem” (Lucas 24:16).
Há somente uma palavra no original para “como que fechados” que significa o uso da força para reter, capturar, dominar. Ela deriva de uma palavra que aparece, por exemplo, em Mateus 26:50, para se referir à captura de Jesus após ser traído. A ideia transmitida é de que alguém mais forte que os discípulos reteve seus olhares para que não reconhecessem o Senhor. Era algo que transcendia sua capacidade ou sua vontade de ver. Assim, Ele permaneceu oculto a seus olhos até o momento designado para se revelar, quando partiram o pão.
Aqueles dois homens se sentiam terrivelmente frustrados, desesperançados, tristes e arruinados emocionalmente. Eles ouviram as mulheres falarem que viram o Senhor ressurreto pela manhã, mas foram incapazes de crer. Agora, diante deles, estava o próprio Messias que vencera a morte, mas seus olhos “estavam como que fechados” para não o reconhecerem. O Senhor por quem procuravam e desejavam estivera junto deles o tempo todo, mas, como na história de Purim, pensaram que tinham sido abandonados por Deus.
É provável que, diante da sentença de morte com dia marcado, os judeus persas tenham ecoado as palavras angustiantes de Salmos. E é provável também que os discípulos tenham pensado nelas ou murmurado em silêncio enquanto caminhavam para Emaús. “Por que estás ao longe, SENHOR? Por que te escondes nos tempos de angústia?” (Salmos 10:1). “Por que escondes a tua face, e te esqueces da nossa miséria e da nossa opressão?” (Salmos 44:24). Em ambos os casos, a sensação era de abandono e de um vazio profundo. No entanto, Deus estava presente, tanto na história de Purim quanto no caminho de Emaús. Apenas seus olhos não podiam vê-lo. “Andamos por fé e não por vista” (2Co. 5:7). E, em ambos os casos, o que estava escondido foi revelado no momento designado.
Isso também me remete às palavras de Paulo a respeito do mistério de Deus em reter a revelação do Messias para Israel como nação até o tempo determinado. “E até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Mas, quando se converterem ao Senhor, então o véu se tirará” (2 Coríntios 3:15,16). A passagem explica por que a nação de Israel ainda não reconheceu Yeshua como o Mashiach. Como aqueles discípulos indo para Emaús, seus olhos estão impedidos de ver, “como que fechados”. Entretanto, quando toda a nação clamar pelo seu Nome e se voltar para Ele de todo o coração, o véu será removido. A nação toda enxergará seu Messias além do véu. Será nessa ocasião que “todo Israel será salvo” (kol Israel yvashah) (Rm. 11:26). E o que esteve oculto por todos os séculos de história será finalmente revelado.
Como na história de Purim, poderá haver momentos sombrios pelos quais atravessaremos e situações impossíveis que enfrentaremos. Podemos ser atribulados de modo tal que pareça que Deus tenha se afastado e até se escondido de nós. Apenas parecerá. Ele estará nos bastidores, atuando e controlando todos os acontecimentos. Tudo o que precisamos fazer é buscá-lo “de todo o coração” como fizeram os discípulos de Emaús. Ao chegarem à hospedaria, Yeshua fez como quem ia para mais longe, mas eles o constrangeram a permanecer em sua companhia e, assim, ele ficou.
Deus deseja ser buscado e, no tempo certo e à hora exata, Ele se revelará. Ele não se esconde continuamente, mas deixa-se ser encontrado. E, como fazia meu pai ao brincar de esconde-esconde comigo, abrirá um largo sorriso de alegria quando vir que o achamos. Como o próprio Yeshua ensinou, não há nada em oculto que não seja revelado (Mt. 4:22). Ele mesmo tem prazer em se incluir nessa palavra para aquele que o busca de todo o coração. Isso também é a essência de Purim.
Leia também:
O Mistério de Purim – a Guerra de Gerações
Shalom!
Que texto maravilhoso! Além de profundo, edificante, é também esclarecedor.
Que o Eterno o abençoe.
Caro Anísio,
Muito obrigado. Um abraço e shalom!
Gostei muito, texto edificante sem dúvida nenhuma.
Obrigado, caro Jorge. Shalom!