Obedecer a Deus ou a César?

Obedecer a Deus ou a César?

28 de Agosto, 2024 0 Por Getúlio Cidade

Todo governo neste mundo é regido por leis e autoridades humanas, a quem podemos chamar de César numa alusão à resposta de Yeshua ao questionamento sobre imposto. Há outro governo muito superior que é o do Criador e Rei do universo. Sabemos que os governos mundanos foram estabelecidos por Deus e há mandamentos claros para que nos submetamos a eles. Haverá situações, no entanto, que ambas as autoridades – a do Reino de Deus e a secular – entrarão em conflito. Nesses casos, devemos obedecer a Deus ou a César?

Quando Yeshua foi indagado sobre a questão do tributo, Ele tomou uma moeda cunhada pelo império romano, perguntou de quem era a imagem nela impressa e recebeu a resposta esperada: de César. Mas sua frase em seguida — “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt. 22:21) — foi o que surpreendeu seus interlocutores. Talvez esperassem que Yeshua respondesse que seria melhor ofertar o valor do tributo no Templo ou em alguma obra de caridade. Ao receber qualquer reposta desse tipo, rapidamente distorceriam suas palavras para acusá-lo de pregar contra o tributo imposto por Roma.

A imagem contida em algo demonstra a quem pertence. A moeda romana mostrava que ela pertencia a César e a seu império. O homem possui a imagem de Deus e, portanto, pertence a Deus. Todo ser humano pode ser reivindicado para Deus, pois foi criado por Ele e feito à sua semelhança, mesmo que seja um feto em formação, mas cujo coração bate após receber o fôlego de Deus.

O problema de obedecer a Deus ou a César começa quando se confunde o que é de quem. E a frase de extraordinária sabedoria de Yeshua pôs fim a essa confusão. Entretanto, muitos ainda oscilam entre Deus e César porque não conseguem discernir essa diferença. Ou melhor, não se decidiram a quem se entregar inteiramente. Se você se rende incondicionalmente a Deus, não sobrará nada para César, e vice-versa.

Outro motivo que impede muitos de se renderem totalmente a Deus é o medo de César. Yeshua viveu uma vida santa e pura, sujeitando-se às autoridades de seu tempo. Ele deu a César o que lhe pertencia, ao determinar a Pedro que pagasse o tributo para os dois. No entanto, confrontou essas mesmas autoridades quando foi necessário, sem temer o mal que lhe poderiam causar. Um dos problemas de insubmissão a Deus é que muitos temem os governos deste mundo mais do temem a Deus.

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SUBMISSÃO ÀS AUTORIDADES

Há vários versículos sobre autoridade na Bíblia e o texto mais completo está em Romanos 13, em que o primeiro é também o mais conhecido: “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas” (Romanos 13:1). Quem são essas autoridades estabelecidas por Deus? A resposta está no restante do texto que muitos ignoram, citando apenas o primeiro versículo.

“Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá. Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal. Portanto, é necessário que sejamos submissos às autoridades, não apenas por causa da possibilidade de uma punição, mas também por questão de consciência.” (Romanos 13:3-5)

Primeiro, as autoridades não devem ser motivo de temor pelos que praticam o bem. Segundo, as autoridades devem servir a Deus como seu agente para punir quem pratica o mal. E terceiro, devemos nos submeter a elas para o bem de nossa consciência diante de Deus. Qualquer ocorrência ou anomalia em um governo que contrarie isso não se trata de uma autoridade estabelecida por Deus. Paulo deixa claro que a submissão que devemos ter é a esse tipo de autoridade. Não devemos submissão alguma a autoridade que cause temor a quem pratica o bem; que pune o bem e recompensa o mal; e que não serve a Deus buscando punir o mal, mas perseguindo quem pratica o bem. Por exemplo, ninguém em sã consciência afirmaria que Hitler e Stálin, que assassinaram dezenas de milhões de pessoas, foram autoridades estabelecidas por Deus.

Entenda-se por bem o que a Palavra de Deus chama de bem, ou seja, a obediência aos mandamentos dados por Deus e não o que qualquer pessoa entenda por bem, seja ela quem for. Assim como deve-se entender por mal aquilo que é definido por mal em sua Palavra, ou o que a Bíblia chama de pecado. Bem e mal não são relativos, mas absolutos e estão corretamente definidos nas Escrituras.

A AUTORIDADE SUPREMA

Em suas últimas palavras nos Evangelhos, antes de ascender ao Pai, Yeshua disse a seus discípulos: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei” (Mateus 28:18-20). Aqui Ele deixa nítido que toda a autoridade lhe pertence, quer no céu quer na Terra, e nos dá uma missão. Não precisamos de autorização de nenhum governo deste mundo para executar sua vontade.

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Quando qualquer autoridade entra em conflito com a lei de Deus, ela deve ser confrontada. O caso mais emblemático está em Atos 5:28-29, quando o sumo sacerdote instou com os discípulos para que não ensinassem no nome de Yeshua, ao que Pedro e os demais apóstolos responderam: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens!”. Essa resposta define a questão primordial do dilema entre obedecer a Deus ou a César. Mediante qualquer conflito entre as ordens de Deus e César, isso resolve qualquer impasse. Pedro e os apóstolos sabiam que deviam cumprir as ordens da autoridade suprema, aquele que recebeu todo o poder nos céus e na Terra.

Veja que não se trata de um caso de desobediência civil generalizada, mas apenas naquilo que se refere a questões impostas por autoridades que se oponham diretamente às leis de Deus. Pedro disse isso abertamente às autoridades de seu tempo, a quem devia submissão e acabou preso por desacatá-las. Ele sofreu o dano, mas permaneceu fiel. O que ocorre em seguida? O Senhor envia um anjo para libertá-lo da prisão milagrosamente. Os discípulos não cessaram de pregar as Boas Novas um só dia, em claro desafio ao sumo sacerdote que era o representante de Deus para os judeus. Contudo, sua autoridade estava corrompida. Quando deu uma ordem explícita contrária à autoridade suprema, Pedro se opôs imediatamente e com coragem, sem medo das consequências.  

Nessa mesma linha, devemos nos submeter a um governo que ataque deliberadamente o Evangelho ou persiga a igreja, como ocorre em diversos governos pelo mundo? As Escrituras deixam claro que não somos obrigados a ter nenhum compromisso com um governo assim. É uma questão de saber quem realmente tem o poder e a quem devemos lealdade. Obedecer a Deus ou a César é uma questão de fé. Ademais, se Pedro estivesse em rebeldia contra Deus e sua Palavra, Ele jamais teria enviado um anjo para libertá-lo da prisão.

PROVADOS PELO FOGO

Uma ocasião óbvia em que se deve ser insubmisso a um governo é quando este quer tomar o lugar de Deus. E o exemplo clássico das Escrituras está no capítulo 3 de Daniel. Exilados na Babilônia e debaixo de um jugo de um governo iníquo, ainda que ocupassem posições no serviço da realeza, os três amigos de Daniel assumiram sua firme posição contra o decreto do rei Nabucodonosor. Ele erguera uma enorme imagem de ouro e exigiu que fosse adorada por todo o povo. Quem não se prostrasse a ela seria imediatamente lançado vivo na fornalha de fogo. Este era o governo constituído, a autoridade legal dando uma ordem a todos os súditos.

Isso não intimidou os amigos de Daniel, jovens sábios e tementes a Deus. Ao verem o decreto, não tiveram dúvida de como agir. Recusaram-se a se curvar perante a imagem do rei. Não iriam transgredir o segundo mandamento sob nenhuma hipótese, ainda que fossem lançados ao fogo. Mas não deveríamos nos sujeitar a toda autoridade, pois foram estabelecidas por Deus? Não quando uma autoridade ou governo deseja tomar o lugar de Deus. Os amigos de Daniel se posicionaram corajosamente e mostraram a quem deviam de fato lealdade. E Deus mostrou sua lealdade ao enviar seu anjo para livrá-los da fornalha de fogo. Aquela era uma questão bem acima do âmbito governamental; era uma questão espiritual.

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O exemplo dos amigos de Daniel é uma inspiração para todos que devem se posicionar igualmente em quaisquer questões em que um governo decida proibir a pregação do Evangelho, ou impedir que pais eduquem seus filhos à luz da Palavra, ou perseguir a igreja por sua fé, enfim, qualquer ação que vá de encontro a algum mandamento bíblico.

TEMOR E OBEDIÊNCIA

Voltando a Romanos 13, o tipo de governo a que Paulo se refere é aquele que espelha a autoridade de Deus, quando se torna um instrumento para punir o mal e promover o bem. Quando algum governo age em afronta aos mandamentos divinos, não temos nenhuma obrigação em obedecê-lo, pois nossa fidelidade é para com o Rei dos reis a quem pertence toda autoridade e poder.

Sob a desculpa de estarem se “submetendo às autoridades”, muitos cristãos na Alemanha nazista participaram da perseguição aos judeus, entregando-os ou delatando-os ao governo. Logo, foram cúmplices de seus crimes. Na Holanda que permaneceu ocupada por cinco anos, durante a Segunda Guerra, muitos cristãos, com base em uma interpretação errônea de Romanos 13, cooperaram com o exército de ocupação alemã da mesma forma. A quem de fato esses cristãos estavam servindo? Certamente não era ao Todo-Poderoso.

Outro exemplo de insubmissão a ordens conflituosas com os mandamentos de Deus está na história das parteiras do Egito. Mesmo diante da ordem de faraó para matar os bebês hebreus, elas não se submeteram. “Todavia, as parteiras temeram a Deus e não obedeceram às ordens do rei do Egito; deixaram viver os meninos.” (Êxodo 1:17). Aqui está o ponto-chave, o cerne de todo o dilema de obedecer a Deus ou a César.

As parteiras temeram a Deus, mais do que temiam faraó. O monarca do Egito acreditava que era um deus e que detinha o poder sobre a vida e a morte. No entanto, as parteiras sabiam que quem de fato detinha esse poder era Deus. Cerca de quatorze séculos antes, elas pareciam compreender plenamente a exortação de Yeshua. “Eu lhes digo, meus amigos: não tenham medo dos que matam o corpo e depois nada mais podem fazer. Mas eu lhes mostrarei a quem vocês devem temer: temam aquele que, depois de matar o corpo, tem poder para lançar no inferno. Sim, eu lhes digo, esse vocês devem temer.” (Lucas 12:4-5)

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Aquele a quem tememos definirá nossa obediência incondicional. Quando houver conflito de ordens e leis, obedecer a Deus ou a César definirá nossos passos, guiará nossos pensamentos e ações, assim como nossa adoração. Aquele que teme a Deus e se prostra diante dele, não teme nem se prostra diante de César, nem diante de ninguém. E, ainda que seja lançado na prisão ou na fornalha de fogo, não será desamparado pelo Deus Fiel e Justo.


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