Rosh HaShaná e o Salmo 27
O mês de Elul é o último do ano judaico civil e precede a primeira das Festas do Outono que marca o início de um novo ano – a Festa das Trombetas ou Rosh HaShaná. Elul é um tempo especial de Teshuvá, de arrependimento e retorno ao Senhor. Desde o primeiro dia de Elul até o mês de Tishrei, o Salmo 27 é a Escritura mais lida e recitada. Vamos entender um pouco dessa ligação profética entre Rosh HaShaná e o Salmo 27.
Embora não contenha nenhum feriado, o mês de Elul é marcado por ter todos os dias inclusos na Teshuvá. O shofar, instrumento que marca a Festa das Trombetas e Yom Kippur, também é tocado todas as manhãs de Elul, um chamado às orações matutinas que são sobre arrependimento e conserto, reconciliação com Deus e com os homens. O Salmo 27 tem papel fundamental junto às orações de pedidos de perdão, pois é lido todas as manhãs de Elul. Algumas comunidades o leem duas vezes por dia, nas orações da manhã e da noite. Tudo é um preparo para a entrada do dia santo de Rosh HaShaná, o dia em que todos os homens são pesados e julgados por Ele.
A tradição diz que nos dias de Elul até Rosh HaShaná, o Rei está no campo para inspecionar sua criação. Seus súditos não têm de buscá-lo nos palácios reais, seguindo os protocolos formais, mas simplesmente estarem prontos para sua visitação inopinada. Um ceifeiro está no campo, debaixo do calor do sol, suado, com vestes de labor sujas e rasgadas, trabalhando duro na colheita, quando, de repente, sente um toque nas costas. Ele se vira e dá de cara com o Rei. Não há tempo para introduções, nem tomar banho ou trocar de roupa. A visita real de surpresa o pegou exatamente como ele é, seu verdadeiro eu, sem maquiagens ou vestimentas especiais.
Essa bela alegoria rabínica da Idade Média reflete o tempo de visitação de Elul. É assim que o Pai deseja nos encontrar, desarmados, com as vestes de nosso coração rasgadas e quebrantados, dispostos a expor nosso íntimo de forma sincera e sem ressalvas. Devemos estar prontos para confessar nossos erros e pecados ocultos a fim de achar graça a seus olhos para obter misericórdia e perdão. O Rei no campo é a melhor imagem de amor do Pai por sua criação: um Rei que vem até nós para nos acolher, receber nossas orações e pedidos de perdão. Esse encontro é a essência da Teshuvá. É imperativo que nos voltemos para Ele antes de Rosh HaShaná, quando se inicia o juízo sobre toda carne.
DUPLA INSPIRAÇÃO
O Salmo 27 possui termos próprios que abrangem as três Festas do Outono e por isso é tão lido nos dias de Teshuvá que as precedem. Não apenas lido, mas recitado, como deve ser com toda oração e cântico de louvor. No original, o tetragrama sagrado do nome de Deus aparece treze vezes e aponta para os treze atributos de Deus conforme revelados a Moisés em Êxodo 34, o que é apropriado para os dias de penitência e reflexão do mês de Elul que precede Rosh HaShaná.
Como ocorre com outros salmos, a profundidade do significado das palavras, bem como o ritmo de sua poesia, somente podem ser percebidos e apreciados plenamente na língua sagrada original em que foram escritos. Davi inicia seu cântico de louvor com a frase: יְהֹוָ֚ה אוֹרִ֣י וְ֖יִשְׁעִי מִמִּ֣י אִירָ֑א יְהֹוָ֖ה מָע֥וֹז חַ֜יַּ֗י מִמִּ֥י אֶפְחָֽד (HaShem ori ve’ishi, mimi irah; HaShem maoz chai’ai, mimi efchad) — “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O Senhor é a fortaleza da minha vida; de quem terei medo?”. Desse modo fervoroso, expressando toda sua confiança em Deus, Davi abre esse belo salmo. Aquele que tem o Altíssimo por salvação e fortaleza, não precisa temer a nada nem a ninguém.
O verso três contém outra declaração de total confiança no Senhor. “Ainda que um exército me cerque, o meu coração não temerá; ainda que a guerra se levante contra mim, nele confiarei”. O verso seguinte resume o maior de todos os pedidos de um verdadeiro adorador. Davi revela seu maior desejo: “(…) que possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida”. Perceba a cadência e a sonoridade poética desta belíssima frase no hebraico: avakesh shiv’ti be’veit HaShem kol ye’mei chai’ai! O propósito desse pedido é “para contemplar a formosura do Senhor e aprender no seu templo”.
Davi foi uma raríssima combinação de um homem de guerra, valente e aguerrido nas batalhas, com um coração sensível de um poeta, humildemente dedicado a exaltar e adorar ao Deus de Israel. Como ancestral do Messias, Ele parece incorporar essas duas vertentes do caráter de Yeshua. O coração puro, humilde e manso do Servo adorador que se manifestou em sua primeira vinda; e a força e vigor do Homem de guerra que se manifestará em sua segunda vinda para se vingar de seus inimigos, na batalha final. Não é de admirar que os salmos de Davi estiveram presentes em momentos-chaves da vida e ministério de Yeshua. Davi e Yeshua — separados por dez séculos e inspirados pelo mesmo Ruach HaKodesh.
AS FESTAS DO OUTONO EM UM SALMO
Como disse acima, o Salmo 27 é especial na temporada de Teshuvá por fazer menção às três Festas do Outono. O verso 6 diz: “Então a minha cabeça será exaltada sobre os meus inimigos que estão ao redor de mim; pelo que oferecerei sacrifício de júbilo no seu tabernáculo […]”. A palavra para júbilo é te’ruah, o mesmo termo de Yom Te’ruah — a Festa das Trombetas. É uma referência a uma explosão de louvor com o toque do shofar, o instrumento principal de Rosh HaShaná que marca a primeira Festa do Outono. Te’ruah é também um toque de alerta, uma lembrança de que o juízo se aproxima.
Adiante, Davi escreve: “Quando disseste: Buscai o meu rosto; o meu coração te disse: o teu rosto, Senhor, buscarei. Não escondas de mim a tua face, e não rejeites ao teu servo com ira; tu és a minha ajuda. Não me deixes nem me desampares, ó Deus da minha salvação” (v. 8-9). A palavra para rosto e face nesses versos é uma só no hebraico — panim. Esse é um termo próprio de Yom Kippur, quando o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos e ficava “face a face” com Deus.
Ele aparece três vezes consecutivas nesse curto espaço, o que é significativo. Estar frente à frente com Deus é uma alusão à Teshuvá e às Festas do Outono, quando nos preparamos para estar diante do Justo Juiz para prestar contas. É uma referência à ordenança de Deuteronômio 16:16, quando todos os homens deveriam se apresentar ao Senhor, em Jerusalém, para serem vistos ali por Ele. Também é uma alusão profética ao dia mais sagrado do judaísmo, quando Israel estará face a face com seu Deus e o juízo será selado sobre o mundo.
O verso 5 diz: “Pois no dia da adversidade ele me esconderá no seu pavilhão”. O pavilhão real era o local mais seguro durante o acampamento de um exército em uma guerra. Ali permanecia o rei e sua guarda pessoal, os guerreiros mais treinados e experientes. Davi conhecia bem isso, pois esteve nesse pavilhão nas muitas guerras que travou ao longo da vida. Ali ficava sua tropa de elite, ou os valentes de Davi, conforme os chamam as Escrituras.
Era o local mais guardado, pois tinha a presença do rei, a vida que mais importava em um combate e que devia ser mais protegida, pois representava, em última instância, a alma da nação. A palavra para pavilhão no hebraico é sukkah, uma clara referência à Festa de Sukkot ou Tabernáculos. Davi reconhece que há um lugar mais poderoso e protegido do que o pavilhão do rei de Israel — a Sukkah do Senhor. É ali que ele estará seguro no dia da adversidade, quando seus inimigos se levantarem para o destruir. É debaixo dessa sukkah onde devemos buscar refúgio em tempos de adversidade, onde o inimigo não nos pode alcançar.
ESPERANÇA E FÉ
Ao mesmo tempo em que aborda as três Festas do Outono, tornando este salmo o mais recitado durante os meses de Elul e Tishrei, ele traz consigo uma poderosa mensagem de esperança e fé. Não apenas isso, mas uma declaração de dependência de Deus, como o faz Davi. Ele era o rei de Israel, uma poderosa nação, e líder militar do exército mais forte de sua época. Contudo, em vez de confiar na força de homens e em suas armas, prefere confiar no Senhor, a fonte de onde emanava o poder e a majestade de seu reino, bem como a razão de sua vida e o motivo de seus cânticos.
Essa dependência e fé são evidentes do início ao fim do Salmo 27. Um dos trechos mais eloquentes de todas as Escrituras está no verso 10: “Ainda que meu pai e minha mãe me desamparassem, o Senhor me recolheria” — Ki avi ve’imi azavuni ve’HaShem ya’aspeni. Isso é mais que uma declaração poética, mas uma forte afirmação de fé no Deus que lhe concedia vitórias onde quer que fosse.
Que este salmo glorioso possa nos conduzir em nosso devocional durante esses dias proféticos de Teshuvá, preparando-nos para o encontro com o Rei dos reis ao sair de seu palácio para inspecionar sua criação. Que sua mensagem de conforto, proteção, esperança e fé nos sirva de inspiração para Rosh HaShaná e para as outras Festas do Outono. Declaremos, como Davi: “Creio que ainda verei a bondade do Senhor na terra dos viventes” (v.13).
“Espera no Senhor; sê forte, anima-te e espera no Senhor” (v. 14).
Kavê el HaShem, chazak ve’yaametz libecha, ve’kavê el HaShem!
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