Hanukkah — a Coragem para Brilhar a Luz

Hanukkah — a Coragem para Brilhar a Luz

19 de Dezembro, 2024 1 Por Getúlio Cidade

Estamos no mês de Kislev, na atmosfera de Hanukkah — a Festa das Luzes ou da Dedicação, cuja história é inspiradora do início ao fim. Ela deixou sua marca milagrosa no passado, quando o azeite da menorá durou oito dias, enquanto havia apenas quantidade para um só. Esse milagre da menorá tem se reproduzido ao longo das eras, de formas e situações diferentes, mas a lição é a mesma. Em Hanukkah, a coragem para brilhar a luz é sempre honrada por Deus.

Hanukkah é sempre um tempo especial, como todas as Festas do Senhor. Porém, o que torna essa Festa mais distinta que as demais é exatamente a questão dos milagres de livramento que ocorreram na História em relação a judeus que celebravam o acendimento das luzes da hanukkia. Há muitas histórias sobre a recorrência desses milagres e daria para escrever um livro somente para contar os relatos. Tais milagres são como um respaldo de Deus para que Israel nunca deixe de celebrar a vitória da luz, em honra a seu nome e à memória dos valentes Macabeus. Não é em vão que o Evangelho de João relata que Yeshua também a celebrou junto a seu povo (Jo. 10:22).

No artigo de Hanukkah do ano passado, contei alguns desses milagres, juntamente com outros ocorridos durante a atual Guerra em Gaza. Desta vez, contarei dois milagres registrados durante o período da Alemanha nazista, a época mais escura para o povo judeu na Idade Contemporânea.

“JUDÁ VIVERÁ PARA SEMPRE!”

O ano era 1931, bem antes do início da Segunda Guerra, e a Alemanha nazista já espalhava sua doutrina de ódio antissemita por todo o país. Chegara a época de Hanukkah e Rachel Posner, esposa de um famoso rabino alemão, Akiva Posner, colocou sua hanukkia ousadamente no peitoril da janela de sua sala que dava para a calçada da rua. Ela foi fiel à ordenança de que a hanukkia deve ser colocada no local mais visível da casa a fim de dar testemunho público do milagre do azeite, de modo que todos que passem por ela possam ver.

De dentro de casa, ela tirou uma foto dessa hanukkia na janela, cuja localização era de frente para um prédio do outro lado da rua que ostentava uma bandeira nazista. Esse contraste de dar arrepios foi registrado em sua foto histórica que já tem quase um século. A foto foi revelada no ano seguinte e Rachel escreveu em seu verso: “Hanukkah 5692 (1932). ‘Morte a Judá’, assim diz a bandeira. ‘Judá viverá para sempre!’, assim responde a luz”.

A fotografia de Rachel Posner, tirada em 1931, da hanukkia na janela de sua casa, tendo, ao fundo, uma bandeira nazista em um prédio do outro lado da rua, em Kiel, Alemanha (Foto: Arquivo da Família Posner via Yad Vashem)
O verso da foto de Rachel com sua anotação em alemão (Foto: Arquivo da Família Posner via Yad Vashem)

A demonstração de fé dessa mulher foi digna de uma macabita do século XX. Não apenas ela teve a coragem de cumprir o mandamento de acender as luzes de Hanukkah, mas o fez de frente para os nazistas, sem temer o que poderia acontecer a si ou a seus familiares. Ela teve a mesma coragem dos Macabeus ao enfrentar os poderosos gregos que proibiram a adoração ao Deus de Israel, impondo restrições e forçando o povo a adorar Zeus. Assim como eles não se renderam a essa profanação, Rachel Posner também não se rendeu ao medo dos nazistas e preferiu a coragem para brilhar a luz da menorá.

Akiva foi o último rabino da comunidade judaica de Kiel, antes do Holocausto. Ele reagiu às privações contra os judeus como um tipo de porta-voz de sua comunidade. Publicou uma carta de protesto aos avisos que foram colocados em vários locais da cidade, dizendo: “Proibida a entrada de judeus”. Por causa disso, foi convocado pelo diretor do partido nazista local para dar satisfações, algo que apenas aumentou a tensão e a violência contra os judeus.

A situação ficou insustentável para ele que representava a liderança da comunidade. Os judeus imploraram para que ele deixasse a Alemanha e, em 1933, imigrou para Israel com sua esposa Rachel e seus três filhos, chegando em 1934. Lá eles se estabeleceram e hoje seus descendentes já se encontram na quarta geração. Eles ainda usam a mesma menorá da família para celebrar Hanukkah, usada por Rachel naquela foto histórica e levada de Kiel para Israel. E as palavras proféticas de Rachel, escritas no verso da foto, mostraram-se verdadeiras. Judá permanece vivo e viverá para sempre diante do Deus de Israel.

Rabino Akiva Posner, sua esposa Rachel e seus três filhos, em 1933, na estação de trem de Kiel, ao deixarem a Alemanha para imigrarem para Israel (Foto: Arquivo da Família Posner via Yad Vashem)
A menorá da foto histórica de 1931, ainda usada pelos descendentes de Rachel Posner hoje, em Israel, para celebrar Hanukkah (Foto: Arquivo da Família Posner via Yad Vashem)

UM JOVEM DE CORAGEM

A história que se segue é contada no livro The Yellow Star (A Estrela Amarela), de autoria de Simche Bunim Unsdorfer, sobrevivente do Holocausto. Ele foi aprisionado e torturado pelos nazistas ainda adolescente. Originalmente publicado em 1961, trata-se de um relato de suas experiências horríveis no campo de trabalho escravo Nieder-Orschel, um subcampo de Buchenwald, na Alemanha, que se tornou um clássico da literatura do Holocausto.

Foi transportado para o campo de extermínio de Aushwitz, aos 19 anos, em um vagão para gado, quando já era uma figura esquelética e pálida, acostumado à fome e a todo tipo de privações e sofrimentos. Unsdorfer conseguiu escapar da morte, no entanto. Ele conta os fatos testemunhados e vividos sob uma perspectiva bem palpável, sem remendos ou disfarces. A chegada nos campos de extermínio não representava apenas a morte física. Antes dela, os nazistas buscavam matar a alma de suas vítimas. Utilizavam todos os meios covardes e funestos para aterrorizar, degradar, tornar miserável, brutalizar, moer e arrancar qualquer resquício de dignidade de uma pessoa. Era necessário quebrar seu espírito antes de destruí-la fisicamente.

Entretanto, mesmo sobrevivendo a sofrimentos inimagináveis como fome, congelamento, espancamento, ameaças, humilhação de todo tipo e exaurido de forças, o jovem Unsdorfer não sucumbiu à vontade de seus algozes. Ele atravessou esse período de trevas mantendo a decência e, principalmente, sua fé. É importante ressaltar isso porque, em meio à provação do Holocausto, muitos perderam a fé.

Ao testemunhar um prisioneiro que conseguira chegar ao campo de extermínio com um tefilin escondido para realizar suas orações, arriscando ser morto, Unsdorfer disse: “Os nazistas podem matar os homens, mas não podem matar sua coragem”. E foi a coragem que o manteve vivo em Auschwitz e Buchenwald. Foi essa mesma coragem que o levou a brilhar a luz de Hanukkah naqueles campos de morte. 

Unsdorfer após a libertação dos campo pelos Aliados, em 1945 (Foto: Chabad.org)

HANUKKAH EM BUCHENWALD

Em Nieder-Orschel, Unsdorfer conta que escrevia um pequeno diário em que havia inserido as datas do calendário hebraico e as Festas do Senhor. Foi quando descobriu que estava a apenas alguns dias de Hanukkah. Ele decidiu que precisava cumprir a ordenança de acender as luzes da menorá, pois isso levantaria o moral de seus irmãos judeus naquele campo. Era o ano de 1944 e a primeira noite de Hanukkah seria em uma segunda-feira, dia 11 de dezembro, a menos de uma semana. Unsdorfer compartilhou sua ideia com quatro companheiros que consentiram e concordaram em trabalhar em um plano para celebrar Hanukkah dentro do subcampo de trabalho escravo de Buchenwald.

O plano consistia em adquirir óleo para servir de combustível para o acendimento das luzes e improvisar com algum material que pudesse emular uma menorá. Eles sabiam do alto risco que correriam e Unsdorfer comenta que tinham ciência de que a lei judaica não os obrigava a arriscar a vida para cumprir um mandamento. Por outro lado, esse pequeno grupo concordava que esse feito seria uma forma de honrar o espírito de sacrifício de seus antepassados Macabeus. Todos estavam debaixo de forte opressão espiritual e física, e sentiam que acender as luzes de Hanukkah serviria para aquecer suas almas, inspirando-os com esperança, fé e coragem para continuarem sobrevivendo aqueles dias terrivelmente difíceis, no inverno sombrio e gelado que se avizinhava.

Um dos companheiros de Unsdorfer conseguiu um pouco de óleo lubrificante usado no campo e outro conseguiu o fósforo para o acendimento. Unsdorfer conseguiu uma lata vazia de graxa de sapatos para servir de recipiente do óleo. E tirou alguns fios de seu cobertor fino para servir de pavio. Na segunda-feira à noite, quando tomava a sopa rala do jantar, ele convidou seus amigos para a cerimônia de acendimento da luz da primeira noite de Hanukkah. Assim, após o jantar, reuniram-se no dormitório para celebrar. Unsdorfer recitou as três bênçãos tradicionais da Festa, enquanto uma pequena luz iluminava o local escuro, abaixo de seu beliche. Os presentes entoaram alguns cânticos tradicionais de Hanukkah.

Unsdorfer registra em suas memórias que aquela minúscula luz incendiou os corações de seus irmãos, naquela noite gelada de quase inverno, e lágrimas escorreram por seus rostos desfigurados.O tempo parecia ter parado por um momento e lembranças de celebrações passadas junto a suas famílias vieram à mente daqueles homens, em tempos anteriores a sua prisão e tortura. Estavam reflexivos e silenciosos quando, de súbito, alguém disse “Perigo!”, o que os trouxe de volta à dura realidade. Um guarda chegara à porta do dormitório, acompanhado de seu pastor alemão, e gritou: “Aqui está fedendo a óleo!”.

Todos ficaram paralisados, enquanto o cão farejava os beliches em busca da origem do óleo que queimava. Unsdorfer não ousou apagar a luz com o sapato, pois o pastor alemão notaria seus movimentos e saltaria sobre ele na mesma hora. Ele ergueu os olhos e viu os rostos pálidos de seus irmãos em volta. Sabia que a descoberta pelo guarda da menorá improvisada significaria morte certa. A inspeção continuava e o guarda com seu cão avançava de beliche em beliche, em sua direção, buscando a origem do óleo que queimava. Faltando alguns segundos para que eles os alcançassem, no entanto, as sirenes de alarme começaram a tocar em uníssono, indicando ataque aéreo inimigo. O guarda parou imediatamente e, em seguida, todas as luzes do campo se apagaram.

O grito de ataque aéreo ecoou por todo o campo. Como um relâmpago, Unsdorfer apagou a luz de sua menorá improvisada com o sapato e, seguindo uma regra rigorosa, todos os prisioneiros correram para a área externa. Unsdorfer pegou sua menorá feita de lata de graxa de sapato e correu com ela. Aquela lata era seu milagre de Hanukkah. Ele reconheceu que fora ajudado por Deus e que sua coragem fora recompensada, mesmo ali naquele campo sombrio de escravidão e morte. Lá fora, na noite gelada e estrelada, com o estrondo dos bombardeiros aliados sobre suas cabeças, Unsdorfer continuou a pronunciar a bênção em honra ao Deus que executou milagres para seu povo em dias passados e em seu próprio tempo de então. Os bombardeiros pareciam espalhar suas palavras ao exército dos céus!

Prisioneiros em formatura no campo de Buchenwald durante o Holocausto (Pinterest)

As histórias de Rachel Posner e de Unsdorfer são verdadeiros atos de bravura do século XX. Preferiram arriscar suas vidas, vivendo sua fé ousadamente, ainda que seus opositores insistissem em quebrar seu espírito e roubar-lhes qualquer resquício de humanidade. São macabitas da era contemporânea, sem medo dos poderosos gregos do passado ou dos nazistas cruéis de seu tempo. Yeshua nos ensinou lições similares na Brit Hadashah. É certo que se todos os que se dizem seus seguidores tivessem a mesma coragem para brilhar sua luz, haveria menos trevas no mundo. Que Rachel e Unsdorfer nos sirvam de inspiração para nosso tempo.

 “Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” (Mateus 5:14-16)


Referências

Chanukah Stories – Tales of Light – Chabad.org

Prewar Hanukkah Menorah owned by the Posner family in Kiel, Germany

S.B. Unsdorfer, The Yellow Star (New Milford, CT: The Toby Press, 2014).


Leia também:

Hanukkah – a Vitória da Luz contra as Trevas

O Nome de Deus codificado na crucificação

A Vitória de Trump e o Anticristo

Sua assinatura não pôde ser validada.
Você fez sua assinatura com sucesso.

A OLIVEIRA NATURAL

Newsletter

Assine nossa newsletter e mantenha-se atualizado de notícias e temas sobre as raízes judaicas do cristianismo.

Explore com profundidade as Festas do Senhor e conheça mais sobre nossas raízes. Leia o livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo.

Compartilhe, curta e siga-nos: