O Mistério da Ressurreição
Os quatro Evangelhos narram a história do Messias em sua vida terrena e terminam da mesma forma: contando sobre sua ressurreição dentre os mortos e sua ascensão aos céus. A base do cristianismo é a ressurreição de Yeshua e, sem ela, não haveria Evangelho, nem corpo de Cristo e nem mesmo o próprio cristianismo. O mistério da ressurreição, não apenas de Yeshua, mas a ressurreição futura de todos os mortos é algo do qual quase nada sabemos e, por isso, um enigma a ser revelado.
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que ninguém arrisca sua vida à toa, sem saber por que o faz. Ninguém enfrentaria a morte desnecessariamente sem convicção de sua crença. O movimento chamado Jesus só foi possível graças à ressurreição que levou os discípulos que a testemunharam a levantar suas vozes diante de todas as pessoas, incluindo autoridades judaicas e não judaicas, e dizer abertamente que Jesus vive e é o Senhor. Somente um encontro real com o Cristo ressurreto permitiria que Pedro (Kefa), antes um homem acovardado pelo medo na noite em que o negou três vezes, bradasse a plenos pulmões à luz do dia, em uma Jerusalém abarrotada de peregrinos para uma das maiores Festas da Torá — Pentecostes —, que Yeshua era o Messias, sem medo de ser preso ou morto.
A CONTAGEM DO ÔMER
A propósito, entre as Festas da Páscoa e a de Pentecostes, há um período muito especial conhecido como Sefirat HaOmer (a contagem do ômer). O volume 1 de A Oliveira Natural aborda as Festas da Primavera, mostrando sua relação com Yeshua e como foram cumpridas profeticamente em sua primeira vinda. Nele há uma explicação detalhada sobre o que, de fato, representa a contagem do ômer que é o tempo em que nos encontramos agora no mês de Iyar (equivalente a maio/junho). Iyar, um mês pouco falado, torna-se de suma importância. Após a ressurreição, Yeshua apareceu aos discípulos por um período de quarenta dias, ascendendo aos céus em seguida. Tais aparições ocorreram em parte do mês de Nisan, quando ocorre a Páscoa, e por praticamente todo o mês de Iyar.
Uma das principais características do mandamento de se contar o ômer — dado por Deus a Moisés ao estabelecer suas ordenanças sobre as Festas da Primavera —, é a restauração do relacionamento com o próximo. As aparições de Yeshua aos discípulos após sua ressurreição têm, entre outros, esse propósito. Todos se sentiam culpados por terem abandonado o Senhor em seu momento mais crucial, quando foi preso e crucificado.
Esse sentimento de culpa recaía especialmente sobre o seleto grupo dos três: Pedro, Tiago e João que não foram capazes de manter vigília de oração no Getsêmane na hora mais tenebrosa do Filho do Homem sobre a Terra, quando dormiram pesadamente. A culpa era ainda mais pungente sobre Pedro que o negara três vezes naquela mesma noite, após, algumas horas antes, ter dito que daria sua vida por Ele. Os discípulos estavam com seus nervos arruinados após a Paixão.
Pedro, porém, estava despedaçado interiormente; sua alma estava em escombros. Tenho para mim que ele seguiria o mesmo caminho suicida de Judas, caso Yeshua não interviesse. Não é à toa que, quando o anjo aparece às mulheres para anunciar a ressurreição, determina em tom de urgência: “Mas ide, dizei a seus discípulos, e a Pedro, que ele vai adiante de vós para a Galileia; ali o vereis, como ele vos disse” (Marcos 16:7). Se Pedro era um dos discípulos, por que o anjo acrescentou seu nome? A resposta é simples. Após negar Yeshua por três vezes, ele não se considerava mais um deles. Tinha desistido de si mesmo.
A restauração dos discípulos e, em especial, a de Pedro era necessária e urgente. E nenhum período era mais propício para esse do que o da contagem do ômer, quando os relacionamentos devem ser curados e a comunhão restaurada, antes de se alcançar Pentecostes. A propósito, o mês de Iyar (אייר), sobre o qual recai a maior parte da contagem, é um acrônimo para Ani HaShem Rofecha — Eu sou o Senhor que te cura — as palavras ditas por Deus a Israel em Mara (Êx. 15:26). Isso envolve o mistério da ressurreição e seus propósitos.
UMA RESSURREIÇÃO SUPERIOR
Há alguns casos de ressurreição bem conhecidos e documentados entre muitas pessoas, tanto em nosso tempo quanto em casos históricos. As Escrituras descrevem milagres de ressurreição realizados por Eliseu e, principalmente, por Yeshua. Entretanto, a ressurreição a que me refiro é especial e somente ocorreu até hoje com Yeshua. Todas as pessoas que ressuscitaram no passado voltaram a morrer, mas Yeshua ressuscitou e vive eternamente. A respeito desse tema, o apóstolo Paulo (Shaul) trata no capítulo 15 da primeira carta aos Romanos. Ele afirma que o Messias “ressurgiu dentre os mortos e foi feito as primícias dos que dormem” (v.20).
Essa é uma menção direta à Festa das Primícias, quando a oferta dos primeiros frutos da colheita da primavera era apresentada pelo sacerdote que a movia, diante do Senhor, no Templo. O dia dessa Festa, ocorrida dentro da Festa dos Asmos, coincidiu exatamente com a ressurreição de Yeshua. Nas cartas de Paulo, ele faz a ligação do Messias com as Festas da Primavera (primeira vinda) de modo preciso, bem como com as Festas do Outono (segunda vinda), embora isso passe despercebido pela maioria dos cristãos gentios justamente por ignorarem as Festas do Senhor e sua importância no plano de salvação.
Esse capítulo é uma resposta à incredulidade de muitos coríntios convertidos que contestavam a ressurreição dos mortos. Paulo relembra o que pregou a eles no início, enfatizando a ressurreição de Yeshua, alegando que, se Ele não ressurgiu dentre os mortos, “logo, é vã a nossa pregação e também é vã a vossa fé” (v.14). Afirma que, após ressuscitar ao terceiro dia, o Senhor foi visto por todos os apóstolos e, em certa ocasião, por mais de quinhentos discípulos. Muitos ainda estavam vivos na época de Paulo e confirmariam esse testemunho a quem quer que duvidasse (v.3-6). Não teria nexo algum crer em um morto ou ser batizado em seu nome (v.29). Tampouco faria sentido se expor a perigos a toda hora, como ter lutado com feras, fato ocorrido com Paulo em Éfeso, se não houvesse ressurreição dos mortos (v.29-32).
A grande indagação que pairava sobre os incrédulos era: “Como ressurgirão os mortos? E com que corpo virão?” (v.35). Ao que Paulo responde: “convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade” (1Co 15:53). Paulo está se referindo exclusivamente ao tipo de ressurreição de Yeshua que, até então, é única, mas que terão todos aqueles que morreram (e morrerão) confiando e esperando nele. Ele foi feito primícias dos que dormem e todos os que nele estão adormecidos (eufemismo judaico para morte) também ressuscitarão para a vida eterna.
Jesus não ressuscitou dos mortos com a mesma fragilidade e corrupção do corpo humano como o conhecemos, sujeito a enfermidades, envelhecimento e morte. Seu novo corpo foi vivificado no Espírito na fração de segundo em que ocorreu o fenômeno que chamamos de ressurreição. Ele ressurgiu num corpo novo, inédito na criação, imune a doenças, a dores e capaz de viver eternamente. É um corpo que vive no domínio do espírito, mas que pode se materializar fisicamente em qualquer lugar a qualquer hora, que transcende o tempo e o espaço. Os Evangelhos relatam que Jesus se manifestou aos discípulos estando eles a portas fechadas, que permitiu que tocassem em seu corpo e suas chagas, bem como comeu com eles mais de uma vez, o que é surpreendente. Há muito ainda por saber sobre esse novo corpo ressurreto e isso compõe o mistério da ressurreição.
É exatamente com esse tipo de corpo que todos os que o receberam por Salvador e Senhor ressuscitarão no dia e hora por Ele designados. A ressurreição dos mortos é um tema primordial no judaísmo e deveria ser também no cristianismo. O foco de muitos está em ter seu espírito elevado a Deus após a morte e isso está assegurado nas Escrituras. Entretanto, a esperança da ressurreição deve sempre ter sua chama avivada entre nós, pois este, sim, é o estado final designado por Deus para seus filhos, o que perdurará eternamente. De todos os inimigos, o último a ser destruído é a morte (v.26). O mistério da ressurreição dos servos de Deus também foi mencionado pelo autor da carta aos Hebreus, quando escreveu sobre os atos corajosos dos mártires que “foram torturados e recusaram ser libertados, para poderem alcançar uma ressurreição superior” (Hb.11:35).
Há ainda um outro tipo de ressurreição, mencionado em Apocalipse, porém, diferente da primeira. Essa se dará após o milênio de reinado de Yeshua sobre a Terra, quando ressuscitarão todos os que não tiveram parte na primeira ressurreição. Será também um corpo diferente do físico que será julgado e condenado “segundo suas obras”, sofrendo a “segunda morte”, um sofrimento eterno para todos aqueles cujos nomes não foram inscritos no livro da vida.
A PEDRA REMOVIDA
A ressurreição experimentada por tantas pessoas ao longo da História, conforme relatada nas Escrituras e documentada em outros registros, inclusive relatos médicos, nunca deixou de ocorrer e consiste basicamente no retorno do espírito ao corpo do morto para ficar numa explicação bem simples, se é que se pode explicar um tema tão desconhecido e que desafia os limites da fé. Esse foi o tipo de ressurreição feita por Yeshua de seu amigo Lázaro. A história é bem conhecida e consta do Evangelho de João. Esta se tornou o símbolo da ressurreição “normal”, ou seja, aquela em que a pessoa voltará a morrer um dia. E foi assim porque haviam se passado quatro dias após a morte de Lázaro, o que tornou essa ressurreição algo inegavelmente sobrenatural e uma potente demonstração do poder de Deus.
Ao chegar diante do túmulo de seu amigo, Yeshua ordena que removam a pedra que fechava a gruta onde repousava o corpo de Lázaro. Aqui vemos os homens fazendo sua parte, movendo a pedra, e Deus fazendo a sua, devolvendo seu espírito ao corpo para que Lázaro pudesse sair. E assim foi para que, segundo as palavras de Yeshua a Marta, ela pudesse “ver a glória de Deus”.
O mistério da ressurreição de Yeshua envolve um cenário diferente. As mulheres vão até o sepulcro, após o Shabbat, a fim de cumprirem os ritos de sepultamento que faltavam. No caminho, surge uma preocupação e elas se perguntam: “Quem removerá para nós a pedra da entrada do sepulcro? Mas, quando foram verificar, viram que a pedra, que era muito grande, havia sido removida” (Mt. 16:3-4). Ao entrarem no sepulcro, deparam-se com um anjo com vestes brancas que lhes dá a maior boa nova de toda a história do universo: “Ele ressuscitou!” (Mc. 16:6). Essa foi a primeira vez que se ouviu tal expressão que se tornou o alicerce de toda a fé cristã e ecoa até hoje, desde os céus, aos quatro cantos da Terra.
Aqui, nenhum homem removeu a pedra do sepulcro. No caso de Lázaro, ela foi removida para que ele pudesse sair. Yeshua não precisava que a pedra fosse removida, pois seu corpo glorificado tem o poder de atravessar qualquer obstáculo, como fez ao aparecer no local onde estavam os discípulos. Foi Deus quem removeu a pedra do sepulcro, não para que seu Filho pudesse sair, mas para que as mulheres e todos nós que cremos pudéssemos entrar. Sim, para que entrássemos e soubéssemos que Ele está vivo, reina e é o Senhor! Aquelas mulheres, presentes na ressurreição de Lázaro, ao verem o sepulcro de Yeshua vazio, lembraram-se imediatamente de suas palavras: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá” (Jo. 11:25-26).
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