Pentecostes e o Fogo de Deus

Pentecostes e o Fogo de Deus

10 de Junho, 2024 0 Por Getúlio Cidade

Ao concluirmos as sete semanas da contagem do ômer, chegamos novamente a mais uma Festa de Pentecostes que se inicia ao pôr do sol de 11 de junho (6 de Sivan). Dessa vez, separei um tema intimamente ligado a Pentecostes: o fogo de Deus. Certamente, esse é um assunto conhecido por todo cristão que já leu ou ouviu falar a respeito. Por outro lado, muitos desconhecem a abrangência do significado do fogo de Deus, de acordo com as Escrituras, em que Pentecostes se tornou seu maior símbolo.

Pentecostes não é uma Festa nascida com o advento do cristianismo. Pentecostes é a palavra grega para quinquagésimo, pois a Festa ocorre exatamente no quinquagésimo dia após a contagem do ômer, iniciada na Páscoa. O mandamento na Torá consiste em contar sete semanas a partir do dia seguinte ao Shabbat de Pesach, daí o nome da Festa em hebraico ser Shavuot (semanas). O dia seguinte à contagem é o quinquagésimo e daí o nome Pentecostes (Lv. 23:15-16).

Quando estudamos as Festas sob o prisma das raízes judaicas, compreendemos seu significado na vida e ministério do Messias e é isso que se explora nos dois volumes de A Oliveira Natural. Pentecostes não apareceu do nada. Trata-se da mesma Festa observada por Israel há séculos, já no tempo de Yeshua, e estava entre as três grandes celebrações anuais em que era obrigatória a presença de todos os israelitas em Jerusalém, onde permanecia o Templo.

Sabemos pelos Evangelhos que Yeshua cumpriu essa peregrinação durante sua vida e ministério, como judeu e rabino que era. O fato de Ele dizer aos discípulos para permanecerem em Jerusalém até serem revestidos de poder é uma referência praticamente direta à observância da Festa, quando todos os judeus deviam comparecer à cidade santa. Essa ordem é mais enfática se lembrarmos que Ele a emitiu imediatamente antes de ascender aos céus, após quarenta dias de sua ressurreição e a cerca de uma semana de Pentecostes.

Há alguns anos, escrevi sobre a simbologia entre a primeira Festa de Shavuot, ocorrida no deserto do Sinai por ocasião da entrega da Torá, e a primeira, ocorrida no Novo Testamento, após a ascensão de Yeshua. O fogo de Deus aparece nas duas de modo visível. “Todo o monte Sinai fumegava porque o Senhor descera sobre ele em fogo” (Êx. 19:18). A visão desse fogo sobrenatural somada aos trovões e relâmpagos, e ao som ensurdecedor do shofar era aterradora e fez com que os filhos de Israel estremecessem. No livro de Atos, durante a mesma Festa, um vento impetuoso encheu o lugar onde estavam os discípulos e línguas de fogo pousaram sobre suas cabeças (At. 2:2-3). Perceba que o fogo de Deus no Sinai é o mesmo que surge sobre os discípulos no cenáculo.

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O fato de eles não terem sido consumidos por aquele fogo, como teriam sido os israelitas no deserto, caso ultrapassassem o limite estabelecido por Deus, não significa que o fogo do cenáculo era incapaz de inspirar o mesmo temor ou levar à morte de alguém. O batismo de fogo era o cumprimento da promessa de Yeshua, predita por João Batista desde o início de seu ministério. Era a prova de que seu sacrifício supremo permitia o envio do Consolador para habitar sobre os corações de todos os que cressem no Filho de Deus. Essa graça sobrenatural, ao experimentar a presença do Espírito Santo dentro de si, os impedia de serem consumidos pelas línguas de fogo, o que, novamente, não significa que aquele fogo era menos perigoso que o do Sinai. Deus é imutável (Ml. 3:6).

FOGO PROFANO

O fogo que capacitou os discípulos a apregoarem as boas novas com ousadia e coragem, em Jerusalém e em plena luz do dia, levando-os a falar em línguas desconhecidas, é o mesmo fogo que traz juízo sobre o pecado. Ele está presente por todas as Escrituras e é imperativo que lidemos com ele com muito cuidado. Esse fogo misterioso é a essência do próprio Deus, assim como é o amor. João nos diz que “Deus é amor” (1Jo. 4:16) e o autor de Hebreus nos exorta que “Deus é um fogo consumidor” (Hb.12:29). São duas faces da mesma moeda e quem não crê ou não compreende isso poderá será consumido por ele.

A melhor maneira de exemplificar é pelo fogo como fenômeno físico. Nós o utilizamos para cozinhar o alimento que provê sustento para o corpo diariamente. Esse mesmo fogo, se manuseado de forma desatenta ou com desleixo, pode ferir gravemente e até matar. Aqui a expressão “brincar com fogo” é mais do que pertinente. Podemos usá-la para nos referirmos ao fogo de Deus com a ressalva de que este é bem mais perigoso do que o fogo físico.

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O melhor exemplo das Escrituras recai sobre a primeira estirpe de sacerdotes, contada na trágica história do livro de Números. Dois dos filhos de Arão, Nadabe e Abiú, tomaram seus incensários “e ofereceram fogo estranho perante o SENHOR, o que não lhes ordenara. Então saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor.” (Lv. 10:1-2). A palavra para estranho é זרה (zara) que significa estrangeiro. Logo, faz referência a povos pagãos e por isso também significa profano. Nadabe e Abiú foram criados no Egito e conheciam suas práticas pagãs. Provavelmente, buscaram oferecer seus incensários com um tipo de fogo profano, semelhante aos povos pagãos, o que estava em desacordo com as instruções de Deus e acarretou juízo.

Não sabemos dos detalhes dessa oferta, porém, não nos parece que Nadabe e Abiú tenham se rebelado deliberadamente com o intuito de afrontar à direção, proveniente de Deus, dada por seu tio Moisés ou seu pai Arão. Eles podem até ter agido de boa-fé, porém, sabiam o que era requerido e não o fizeram corretamente. Não tiveram o temor de Deus e desconheciam o risco que estavam correndo, como sacerdotes, ao oferecerem uma oferta profana. Foram imediatamente consumidos pelo fogo de Deus. Lidar com o sagrado é algo extremamente perigoso e pode levar à morte espiritual e física. Muitos pedem o fogo de Deus sem a mínima noção do que isso representa.

“E SEREIS MINHAS TESTEMUNHAS”

O fogo de Deus está presente em muitas histórias nas Escrituras e seria impossível enumerar e discutir todas nesse espaço. Uma maneira de reconhecer seus efeitos é observar as mudanças e transformações subsequentes à sua aparição na vida de uma pessoa ou de um grupo. Elias, por exemplo, é mais conhecido como o profeta do fogo, dada a manifestação sobrenatural do fogo de Deus em seus milagres, incluindo no seu arrebatamento.

Após o épico combate contra os profetas de baal, entretanto, Elias foi provado por esse mesmo fogo de Deus na forma da perseguição empreendida por Jezabel — a rainha impiedosa —, tendo de fugir para Horebe e se esconder em uma caverna. Ele saiu dessa experiência uma pessoa mais sensível a Deus e mais quebrantada. O mesmo pode se dizer de Isaías, após a visão do Senhor em seu trono cercado de serafins, criaturas que ministram com o fogo do altar celestial. Após ser tocado nos lábios por brasas desse fogo, ele é santificado, atende imediatamente a seu chamado e tem sua vida transformada a partir de então.

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A maioria de nós tem o capítulo 2 do livro de Atos como preferido pela manifestação do fogo de Deus sobre os discípulos enquanto oravam, por falarem em línguas estrangeiras como se fossem nativos, de modo sobrenatural, e pela conversão em massa que se seguiu à pregação de Pedro. No entanto, esquecemos que aquele mesmo fogo mudou de modo efetivo e permanente a vida de todos os discípulos. O “batismo de fogo” não consistia apenas em falar em línguas. Uma das características do fogo é remover as impurezas de metais. É exatamente isso que o Senhor promete fazer com o remanescente de Israel, nos últimos dias, agindo como “o fogo do ourives” (Ml. 3:2). É sob calor intenso que se formam as joias de ouro mais belas. E é assim que Ele faz ainda hoje com seus filhos legítimos que se submetem a seu senhorio.

Em Atos 1:8, Yeshua afirma que, após receberem poder de Ruach HaKodesh (Espírito Santo), ou o batismo de fogo, os discípulos seriam suas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da Terra. É interessante que, se invertermos o capítulo e o versículo, leremos que, logo após o apedrejamento de Estêvão, “fez-se naquele dia uma grande perseguição contra a igreja que estava em Jerusalém; e todos foram dispersos pelas terras da Judéia e de Samaria, exceto os apóstolos” (Atos 8:1).

Tal perseguição visava não apenas provar sua fé, mas dar início à evangelização das nações, algo que perdura ainda hoje, desde aquele remoto Pentecostes. Ninguém imaginava que as palavras de Yeshua se cumpririam tão rápido. Os discípulos estavam aprendendo que receber o fogo de Deus requeria mais do que sentir seu sopro, ficar arrepiado ou falar em outras línguas. Esse era o mesmo fogo da provação pelo qual acabara de passar Estêvão, a primeira testemunha a morrer pelo Evangelho.

A propósito, a palavra em grego para testemunha é martus que significa mártir, não apenas em Atos 1:8, mas em todo o Novo Testamento. Portanto, quando Yeshua disse aos discípulos que seriam suas testemunhas por toda a parte, isso incluía ter de provar a fé em seu nome por meio do sofrimento e até na morte violenta, como ocorreu com a maioria deles. Alguém que se considere uma autêntica testemunha de Cristo deve estar pronto não apenas para sofrer em seu nome, mas para morrer por Ele, se necessário. O verdadeiro Evangelho não é para covardes, não tem atalhos nem caminho fácil, mas requer renúncia do ego e rendição completa ao Autor de nossa fé.

AS DUAS COLHEITAS

O fogo de Deus abrange também o juízo. Ninguém escapará dele; nem o justo nem o iníquo. A diferença está no julgamento que será para recompensa, no caso do justo, ou para condenação, no caso do iníquo. Sobre o julgamento dos justos, o rabino Shaul (Paulo) nos admoesta: “a obra de cada um se tornará manifesta, pois o dia a demonstrará. Porque será revelada pelo fogo, e o fogo provará qual é a obra de cada um. Se aquilo que alguém edificou sobre o fundamento permanecer, esse receberá recompensa. Se a obra de alguém se queimar, esse sofrerá dano. Porém ele mesmo será salvo, mas como que através do fogo.” (1Co. 3:13-15). Nada escapará ao escrutínio do fogo de Deus no julgamento de seus servos. E esse mesmo fogo arderá para provar e purificar os que foram reprovados e perderam a recompensa para que, ao menos, sejam salvos.

A grande colheita iniciada no primeiro Pentecostes da Igreja do Messias terminará no fim da presente era (Olam Hazeh), trazendo uma multidão de testemunhas para seu Reino. Entretanto, há ainda uma outra colheita — a derradeira — que diz respeito aos iníquos que rechaçaram a tão grande salvação de graça oferecida pelo Filho do Homem. Ela é mencionada profeticamente na Torá e de modo ostensivo em Apocalipse. “Porque um fogo se acendeu na minha ira, e arderá até ao mais profundo do inferno, e consumirá a terra com a sua colheita, e abrasará os fundamentos dos montes” (Dt. 32:22). O fogo de Deus, ativado por sua ira, consumirá a colheita dos iníquos sobre a Terra e arderá em juízo, no inferno, para cumprir sua justiça.

Em Apocalipse, fala-se sobre essa última colheita, a dos não salvos. “Ainda outro anjo saiu do altar, o anjo que tem autoridade sobre o fogo, e clamou com voz forte ao que tinha a foice afiada, dizendo: Pegue a sua foice afiada e ajunte os cachos da videira da terra, porque as suas uvas estão maduras! Então o anjo passou a sua foice na terra, ajuntou os cachos da videira da terra e os lançou no grande lagar da ira de Deus” (Ap. 14:18-19).[1] Portanto, o fogo de Deus que prova e purifica para livrar da morte é o mesmo que condena ao castigo e juízo. Seja salvo ou não salvo, ninguém escapará dele.

Pentecostes é a última das Festas da Primavera em Israel e a que nos encontramos, no momento, na linha do tempo de Deus. Ela fala da dispensação da graça em que a salvação é estendida a todos os homens sem discriminação. É a Festa do “batismo com o Espírito Santo e com fogo” (Mt. 3:11). Precisamos, porém, conhecer realmente de que se trata o fogo de Deus para lidar com ele com toda cautela e, sobretudo, com o temor do Senhor. Nadabe e Abiú pagaram muito caro por desconhecerem a lição.



[1] A última colheita anual era a das uvas e aponta para a colheita dos não salvos para condenação. Esse tema é aprofundado nas Festas do Outono, conforme o volume 2 de A Oliveira Natural.

Leia também:

O Mistério da Ressurreição

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