Yom Kippur: Perdão e Restauração
Ao pôr-do-sol do dia 15 de setembro de 2021, chega-se ao fim dos dez Dias de Temor, iniciados em Rosh HaShanah, culminando com a data mais sagrada do judaísmo: Yom Kippur ou Dia da Expiação. Encerra-se também nessa data solene a temporada de Teshuvá (arrependimento) que engloba todos os dias do mês de Elul e se prolonga até Yom Kippur. Vamos refletir um pouco sobre o significado de Yom Kippur: perdão e restauração.
Esse é um dia de feriado nacional, instituído pela Torá, e quando a nação de Israel para completa e literalmente suas atividades em cumprimento ao mandamento de observação de mais essa Festa do Senhor (Levítico 23:26-32). “E naquele mesmo dia nenhum trabalho fareis, porque é o dia da expiação, para fazer expiação por vós perante o Senhor vosso Deus” Levítico 23:28. Por esse motivo, é a mais solene de todas as datas.
“Sábado de descanso vos será; então afligireis as vossas almas; aos nove do mês à tarde, de uma tarde a outra tarde, celebrareis o vosso sábado” Levítico 23:32. Além da nação parar, todos jejuam do pôr-do-sol do dia 9 de Tishrei até o pôr-do-sol do dia 10, quando se encerra Yom Kippur. Jejum completo de alimentos e abstinência de qualquer coisa que possa trazer algum prazer ao corpo como tomar banho são coisas obrigatórias nesse dia, pois esse é o sentido real de “afligir a alma”. Independente do dia da semana que cair, Yom Kippur é considerado um sábado especial.
O propósito de “afligir a alma” por cerca de 25 horas de jejum é amortizar a carne e os desejos naturais do corpo a fim de se aproximar de Deus e obter seu favor. Até os judeus seculares costumam jejuar nesse dia, dada a importância dessa data para o povo de Israel. O mesmo senso de arrependimento e confissão de pecados que permeia o mês de Elul e os Dias de Temor estão presentes em Yom Kippur.
Sabe-se que o arrependimento individual é algo que se precisa praticar todos os dias do ano. A diferença de Yom Kippur é que o arrependimento é a nível nacional. Essa foi a data escolhida por Deus para perdoar os pecados de Israel, anualmente. As pessoas ficam em casa e nas sinagogas, horas a fio, recitando os livros de oração de Yom Kippur que invariavelmente são confissões e pedidos de perdão. Tais orações são escritas sempre na primeira pessoa do plural: “Nós pecamos…”.
Os pecados confessados na liturgia do dia são de forma coletiva, em uníssono. A lista de erros e delitos contra os mandamentos divinos nas longas orações está sempre no plural, não no singular. Ao confessar as transgressões de modo conjunto, cada indivíduo assume a responsabilidade compartilhada pelo coletivo. Em nenhum lugar no mundo, exceto Israel, uma nação inteira para totalmente por um dia para jejuar, arrepender-se e confessar seu pecados.
Durante Yom Kippur, o livro de Jonas é lido para reforçar a mensagem de arrependimento e misericórdia. O objetivo é despertar da letargia espiritual e se manter conectado a Deus. A lição extraída por Jonas é que a misericórdia de Deus triunfa sobre o juízo (Tiago 2:13). Essa é uma lição da qual nunca se deve esquecer. Da mesma forma com que somos tratados com misericórdia por parte de Deus, devemos tratar nosso próximo. O capítulo 2 de Jonas é uma oração que pode ser modelo para Yom Kippur, como tantas outras, para qualquer indivíduo que queira se aproximar dele, fazendo teshuvá.
A IMPORTÂNCIA DO SUMO SACERDOTE
Na época do Templo, a preparação e realização do serviço de Yom Kippur era um período de grande tensão, não somente para todo o povo, mas para uma pessoa em especial: o sumo sacerdote (cohen hagadol). E o motivo para isso era que, se sua oferta fosse aceita por Deus, toda a nação era perdoada e se regozijava. Todavia, caso a oferta fosse rejeitada (havia alguns sinais para isso), significava que o sumo sacerdote não cumprira bem seu ofício e a nação inteira não era perdoada naquele ano.
Embora houvesse muitos sacerdotes disponíveis para servir no Templo, em Yom Kippur, toda a enorme responsabilidade do serviço recaía sobre os ombros do sumo sacerdote. Ele tinha de realizar só todo o serviço que, nos dias normais, eram realizados pelos sacerdotes em seus turnos. No Yom Kippur, o sumo sacerdote precisava executar todas as tarefas por ele mesmo, sem nenhuma ajuda. Seu papel como representante da nação começava dias antes, quando ele se purificava e se preparava, praticando como sacrificar as ofertas, como preparar a mistura do incenso, como oferecer o sangue no Santo dos Santos, como recitar as orações e bênçãos, etc. Cada detalhe era exaustivamente treinado e debatido a fim de que não houvesse erros no grande dia, quando o sumo sacerdote não podia ter a ajuda de ninguém.
Yom Kippur era o único dia do ano em que o sumo sacerdote era autorizado a entrar no Santo dos Santos por algumas vezes, levando incenso e o sangue dos animais sacrificados. Em seus rituais, ele também pronunciava o nome de Deus (tetragrama sagrado), única data do ano em que podia fazer isso. Existia um protocolo bem estrito a ser seguido. Todas as etapas deviam ser cumpridas com precisão a fim de que Deus recebesse a oferta de suas mãos. Ele oferecia sacrifícios por si mesmo, por sua família e por todo Israel. A tensão somente chegava ao fim após a conclusão do serviço, quando todos os sinais apontavam que Deus recebera a oferta.
Ao ver o sumo sacerdote deixar a câmara mais interior do Templo (Santo dos Santos), sair do Santuário e estender as mãos em direção à multidão que o aguardava ansiosa e com o coração apertado do lado de fora, todos se regozijavam. Ele proclamava, enfim, que os pecados de Israel foram perdoados, o que gerava uma grande onda de alegria e brados de júbilo a todos os espectadores. O favor de Deus sobre a nação estava garantido durante aquele ano que acabava de se iniciar.
YESHUA: O SUMO SACERDOTE E A OFERTA
Para os cristãos, a figura do verdadeiro e único Sumo Sacerdote se encontra em Yeshua obviamente. Vemos a descrição do serviço da Festa de Yom Kippur no livro de Hebreus, em uma analogia incrível com a obra redentora do Messias de Israel. E compreendemos que todo o trabalho extenuante e tenso realizado ano a ano pelo sumo sacerdote era uma preparação para o que havia de vir. Era necessário que alguém comparecesse ao Tabernáculo celestial, diante do Pai, a fim de apresentar um sacrifício que fosse capaz de encobrir todas as transgressões, não somente de Israel, mas de toda a humanidade. Além disso, precisava ter validade eterna.
“Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!” Hebreus 9:11-14
O autor de Hebreus prossegue: “Porque Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus; nem ainda para se oferecer a si mesmo muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano entra no Santo dos Santos com sangue alheio. Ora, neste caso, seria necessário que ele tivesse sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo; agora, porém, ao se cumprirem os tempos, se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado.” Hebreus 9:24-26
A palavra traduzida por expiação tem sua raiz em כ-פ-ר (kippur) que também significa cobrir, pacificar e fazer propiciação. E é exatamente isso que o sangue da oferta faz para com o pecado. Essa mesma raiz está na palavra kaporet que é traduzida por propiciatório, a tampa que cobria a arca da aliança. Era justamente sobre esse local que era borrifado o sangue da oferta do sumo sacerdote quando entrava no Santo dos Santos. Foi o mesmo lugar correspondente ao Tabernáculo celestial (kaporet) em que Yeshua borrifou seu próprio sangue para fazer expiação por nós (kippur), encobrindo nossos erros, pacificando nossas transgressões e tornando-nos propícios a Deus.
Assim, Yeshua cumpre o duplo papel de Sumo Sacerdote e oferta simultaneamente — algo impossível para um sacerdote comum —, apresentando seu próprio sangue de modo sacrificial pelo perdão de toda a raça humana. O sangue derramado para redimir o pecado é condição primordial da Torá (Lv. 17:11), assim como no Novo Testamento (Hb. 9:22). E só havia uma pessoa capaz de assumir esse duplo papel na trama universal da existência humana: o Sumo Sacerdote que desceu do céu, Cohen HaGadol, Yeshua HaMashiach!
PERDÃO E RESTAURAÇÃO DE ISRAEL
Há, porém, algo a mais inserido em Yom Kippur do qual poucos cristãos sabem, exceto os judeus messiânicos. Essa é a penúltima das Festas do Outono de Israel. As sete Festas do Senhor apontam para o Messias. As quatro primeiras que ocorrem na Primavera apontam para a primeira vinda do Senhor e foram cumpridas profeticamente no nível de detalhes.[1] Do mesmo modo, a tradição messiânica crê que as Festas do Outono apontam para a segunda vinda do Senhor.
Yom Kippur está intimamente ligado à manifestação do Messias para salvar o remanescente de Israel de seus inimigos. Isso ocorrerá em tempo futuro, quando a nação da Torá estiver atravessando apuros, mais conhecido no judaísmo como “tempo de angústia de Jacó” ou “as dores de parto do Messias”, termos estes extraídos das próprias Escrituras. No Novo Testamento, esse período é conhecido como a “Grande Tribulação”. As diferentes correntes de pensamento judaicas e escolas interpretativas são unânimes em relação a isso; que um tempo de sofrimento está previsto sobre o povo judeu antes da manifestação do Messias.
Um dos termos chaves para se compreender Yom Kippur é “face a face” porque era nesse único dia que o sumo sacerdote adentrava o Santo dos Santos e ficava face a face com a nuvem da presença de Deus sobre a arca dos querubins. E será em algum Yom Kippur que o Messias se manifestará para ficar face a face com seu povo, revelado diante de todo o mundo, ocasião em que “todo olho o verá” (Ap. 1:7). Essa é a conexão de Yom Kippur com o fim dos dias.
Todo o quebrantamento e contrição que toma a nação nesse período do ano nada mais é que uma preparação para o encontro futuro com o Messias triunfante que virá para resgatar Israel, julgar as nações e instaurar seu Reino Milenar sobre a Terra. Aqui se cumprirá as palavras do profeta Zacarias a respeito desse encontro: “E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o espírito da graça e de súplicas; olharão (‘face a face’) para aquele a quem traspassaram (crucificaram); pranteá-lo-ão como quem pranteia por um unigênito e chorarão por ele como se chora amargamente pelo primogênito.” Zacarias 12:10
Esse espírito de graça e de súplicas define bem o período de teshuvá que inaugura as Festas do Outono, com confissões e orações por perdão. O remanescente que encontrar o Messias face a face, não obstante seu choro amargo, receberá a resposta de suas orações e o perdão tão suplicado. Então, será cumprida a profecia do apóstolo Paulo a respeito desse encontro: “E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: Virá de Sião o Libertador e ele apartará de Jacó as impiedades” Romanos 11:26. A restauração de Israel, então, será completa.
E, como profetizado pelo próprio Yeshua, Jerusalém o receberá com o mesmo grito messiânico que o recebeu da primeira vez em sua entrada triunfal na cidade. “Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não me vereis, até que venhais a dizer (ocasião em que o verão ‘face a face’): Bendito o que vem em nome do Senhor!” Mateus 23:39.
[1] As Festas da Primavera são abordadas com profundidade e riqueza de detalhes no volume 1 do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo.
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